É aos sábados. Em plena temporada, é também aos domingos e feriados. A Lagoa fica cheia de barquinhos à vela, parecem formiguinhas levando imensas folhas secas para debaixo da terra, fazendo provisão de alimento para o inverno que se aproxima. Ao contrário das formigas, que seguem uma trilha quase militar, os barquinhos se arrumam e de desarrumam com a brisa que sopra ou pela imperícia de seus velejadores. Que é um quadro bonito, é.
Pena que eu nada entenda de esportes náuticos, fico que nem aquela grã-fina citada pelo Nelson Rodrigues que foi ver um jogo de futebol, entrou no Maracanã, a partida já tinha começado, aflitamente perguntou aos amigos: "Quem é a bola? Quem é a bola?".
Estou nessa situação. Nunca sei quem está na frente ou atrás, não entendo os movimentos que os barquinhos fazem, uns até parecem andar para trás, outros se desgarram e encalham nas margens. Vez ou outra, uma colisão, vez ou outra, mesmo sem colisão, um barquinho se inclina tanto que acaba virando de quilha para o ar, a vela encharcada custa a ser levantada das águas.
Já tentei torcer por um deles, para tornar o espetáculo mais atraente, ao menos para mim. Escolho aleatoriamente, uma vela cor de laranja, ou aquela que tem uma estrela azul no meio. Sempre dou azar. São justamente as que escolho que mais adiante naufragam ou encalham aqui em frente ao prédio onde moro. Acompanho a desolação do navegante, mas nada posso fazer por ele nem por mim a não ser escolher outro barquinho que me parece mais veloz do que os outros, mas é engano meu, pegou um vento contrário e está indo para trás.
Mudando o que tem de ser mudado, é também uma regata que vejo não apenas nas águas da Lagoa mas no largo oceano do mundo inteiro. Não lhe entendo os movimentos, não conheço as regras do jogo e, quando decido torcer por alguma coisa, torço errado. Mesmo assim, me distraio com as regatas aqui da Lagoa. São mais higiênicas e saudáveis do que as do lago de Brasília.
Folha de São Paulo (São Paulo) 22/11/2005