Em outros tempos, poderia parecer piada do Teatro de Revista, do "Balança mas não cai", do Max Nunes. Mas a besteira tem caráter quase oficial, pelo menos, mais dia menos dia será adotada pelos manuais de redação dos jornais, das revistas e das editoras.
É o politicamente correto, PC para os íntimos, sem nada a ver com o finado PC da Era Collor. O negócio começou aos poucos, limpando a linguagem do dia-a-dia de expressões que seriam agressivas a pessoas, instituições, ofícios e doenças. "Cego", por exemplo, seria ultrajante para quem é deficiente visual. O velho ditado "Em terra de cego quem tem um olho é rei" seria ofensivo e deveria ser traduzido pelas normas corretas politicamente.
O "ceguinho de amor", daquela bonita canção de Ary Barroso e Luiz Peixoto, passaria a ser "deficiente visual de amor". Não caberia no compasso da música, mas seria saudável.
O negro passaria a ser afrodescendente. As numerosas associações que lutam contra o racismo teriam de mudar de nome, pois a palavra "negro" é aceita como designação de uma raça tão legítima como a branca e a amarela. "Preto" sim, é nome de uma cor e vem sendo banida naturalmente.
"Palhaço" e "barbeiro" seriam igualmente ofensivos. Não conheço a alternativa para os dois nomes, que além de mencionaram um ofício respeitável, serve para o desabafo no trânsito, sem conotação negativa para os profissionais das duas atividades. Não acredito que um palhaço de picadeiro ou um barbeiro de salão fiquem ofendidos. "Veado" não ofende a nobre estirpe dos animais notáveis pelos chifres.
Voltando ao "negro". Tivemos aqui no Rio um prefeito e governador que se chamava Negrão de Lima. Há rua e viaduto com o seu nome. Rua e viaduto deverão trocar de placa, que passarão a ser "Afrodescendentão de Lima". Senhores e senhoras: ridículo tem hora. Contudo, depois do traseiro mencionado por Lula, qualquer hora é hora.
Folha de São Paulo (São Paulo) 03/05/2005