Não morro nem muito menos vivo de amores pelo Hugo Chávez, não gosto de sua cara de índio aculturado, de seus trejeitos histriônicos, tampouco de sua maneira de governar por meio de plebiscitos certamente macetados. Tampouco apreciava Saddam Hussein, com o seu farto bigode e o seu farto arsenal de crimes.
Mas li reportagem numa revista semanal que quase me fez mudar de idéia a respeito do presidente venezuelano. Preocupada em defender o mundo livre gerenciado pelos Estados Unidos, a matéria chega a ser ridícula, cevando-se no evidente e radical antiamericanismo, que não é exclusivo de Chávez, nem de Saddam, nem dos esquerdistas.
Basta lembrar que João Paulo 2º também foi contra o crime de Bush ao invadir o Iraque e caçar Saddam Hussein -o falecido papa podia ser tudo, menos um esquerdista. E, como Saddam, que tinha a terceira maior reserva de petróleo do mundo, Chávez se abastece e se financia com a quinta reserva mundial.
O caso da Venezuela tem todos os elementos para repetir o episódio do Iraque, a menos que o Departamento de Estado consiga depor Chávez sem a necessidade de bombardear Caracas em nome da democracia e dos bons costumes. Para isso, conta com o apoio tradicional daqueles que, financiados ou gratuitamente comprometidos com os valores cristãos e democráticos de Bush, bajulam seus feitos, aprovam suas intenções e acusam de esquerdismo aqueles que já viram filme igual na Coréia, no Vietnã e, mais recentemente, no Irã.
Um princípio na lógica aristotélica ensina que a afirmação de uma coisa não é a negação de outra. Dar razão a Chaves na sua luta contra o interesse dos Estados Unidos em dominar uma das maiores reservas de petróleo, não significa apoiar um presidente com tantas culpas nas costas.
Mais cedo ou mais tarde, a vítima da gula norte-americana será a região amazônica, sob o pretexto de que o Brasil não tem competência para administrá-la para o bem do mundo cristão e democrático.
Folha de São Paulo (São Paulo) 05/05/2005