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Aqui e agora

 

Não dá para entender. Poucas vezes na história universal, um homem realmente do povo chega ao poder de forma limpa, insofismável, com o apoio explícito da maioria dos cidadãos e com o respeito obsequioso dos que não votaram nele.


No caso brasileiro, nossos dirigentes sempre saíram de camadas sociais privilegiadas e, nos pouquíssimos casos em que tivemos um presidente nascido na pobreza, como JK e Sarney, ao serem eleitos, já pertenciam de uma forma ou de outra à elite dominante.


Dificilmente teríamos na oferta eleitoral um candidato com a biografia de Lula, pau-de-arara, operário de carteirinha, homem dotado de fabulosa intuição e com um conhecimento dos problemas nacionais adquirido de baixo para cima, cumprindo um aprendizado político na própria carne, sem a necessidade de títulos e diplomas.


Houve poucos casos assim ao longo do tempo, e a citação de Lincoln talvez seja a mais obrigatória. O lenhador Abraham Lincoln tornou-se um estadista. Um dos pais da pátria, com lugar garantido no panteão da história.


Por que Lula não está dando certo? Na semana passada, comentei que Lula não é incompetente, não é corrupto e tem a melhor das intenções de fazer o melhor governo possível. Quem cruzou o Brasil tantas vezes, de alto a baixo, sentindo o cheiro e o aperto de mão de homens marginalizados ao longo de 500 e tantos anos?


Quem conhece a língua do povo melhor do que ele? Quem chegou ao poder cercado de tanta e tamanha esperança? Não precisou apelar para a liturgia de uma revolução, de um golpe de Estado. É evidente que teria de assumir compromissos discutíveis para compor um cenário de governabilidade - e, de certa forma, conseguiu isso, sem perda considerável de substância humana e política.


Um homem do povo chegou lá. E o lá nunca esteve tão longe do aqui e agora.


 


Folha de São Paulo (São Paulo - SP) 28/04/2004

Folha de São Paulo (São Paulo - SP), 28/04/2004