Política é letal como a câmara de gás, a cadeira elétrica, a forca e a empada que matou o guarda. Gosto de reler Lima Barreto e, outro dia, reparei a distinção que ele faz entre a cultura, a economia e a política. Seu melhor personagem, Policarpo Quaresma, paga tributo às três principais expressões da atividade humana.
Na primeira delas, Policarpo descobre que o brasileiro deveria falar tupi-guarani, língua nativa, jamais o português, idioma do colonizador. Não morre por causa disso, mas cobre-se de opróbrio e de ridículo, ninguém o leva a sério.
Desiludido do fato cultural, ele se volta para a economia e torna-se fanático pela agricultura. Acredita em Pero Vaz de Caminha e começa a plantar, torna-se a primeira consciência ecológica do país, mas as saúvas acabam com tudo o que sonhou e plantou.
Ridicularizado culturalmente, arruinado economicamente, ele se volta para a política, envia aquele célebre telegrama ao presidente da República pedindo "energia" e avisando "sigo já!" para se alistar nas tropas leais a Floriano Peixoto.
Dessa vez, quebrou a cara e perdeu a vida. É fuzilado. Não que a sua causa estivesse errada. Simplesmente as coisas e as causas mudaram. Como se sabe, política é como nuvem, está assim e, de repente, fica assado, sem ninguém saber direito por quê. Ele continuou o mesmo.
Oliveira Lima considerou Policarpo Quaresma o Dom Quixote nacional. Discordo. O Cavaleiro da Triste Figura enlouqueceu lendo livros de cavalaria. Policarpo não ficou louco, pelo contrário, tinha uma lucidez atroz. A loucura não era dele, mas dos outros. Dos entendidos em cultura, economia e política.
Acontece que o preço pago por ele sofreu gradual reajuste tarifário. Culturalmente, ficou desprezado. Economicamente, perdeu tudo. Politicamente, foi morto.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) 06/05/2004