Severino volta a chamar estupro de "acidente". Folha de São Paulo / Brasil, 4.mai.2005
"Acidentes acontecem, senhor juiz. Todo mundo sabe disso, especialmente o senhor, que é um homem culto, experiente, vivido. Acidentes acontecem, e acontecem especialmente comigo, que sou um homem muito azarado. Azarado, mas boa pessoa, esteja certo disso. Esta acusação que estão me fazendo, e que me trouxe a este tribunal, esta acusação, senhor juiz, não tem fundamento algum, tudo não passou de um acidente. Vou lhe contar como foi.
Eu estava passeando pelo campo, senhor juiz. Sou um tipo romântico, gosto da natureza e gosto sobretudo de passear pelo campo. Então eu estava passeando pelo campo e cheguei ao rio, aquele rio muito bonito que tem lá, perto da minha propriedade. Ia caminhando pela beira desse rio, escorreguei e caí na água. Acidentes acontecem, senhor juiz. Caí na água e saí dali todo molhado, como costuma acontecer às pessoas que caem na água. Agora: eu sou muito sujeito a gripes, a resfriados. Portanto não podia ficar com aquelas roupas encharcadas, correndo o risco de ficar doente. O que fazer?
Não pensei duas vezes: tirei a roupa. Toda a roupa. Afinal, não havia ninguém ali por perto e, de mais a mais, não são poucas as pessoas que gostam de passear sem roupa -é só ir num acampamento de nudistas para constatá-lo. Tirei a roupa, coloquei numa árvore para secar e continuei caminhando.
De repente aconteceu aquela coisa perturbadora. Eu tive uma ereção, senhor juiz. Porque tive a ereção, não sei lhe explicar. Talvez o ventinho... Não sei. Mas só pode ser acidente. Sou um homem recatado e não costumo ter ereções nessas circunstâncias. Acidente, portanto. Acidentes acontecem.
Continuei a caminhar, nu e agora já no mato. Umas centenas de metros mais adiante, dei com a moça, essa mesma moça que me faz certas injustas acusações. Ela estava deitada, adormecida e suava muito. Concluí que estava com calor e, com pena da coitada, comecei a lhe tirar a roupa. Ela protestava, dizia que não era necessário, mas eu sou muito prestimoso e despi-a completamente. Quando terminei, já ia embora, mas então tropecei e caí. Um acidente, lógico. Acidentes acontecem, o senhor sabe. Caí e caí de cara em cima da moça. Ainda bem, porque se tivesse caído no chão poderia até ter me machucado feio. Esses acidentes às vezes têm conseqüências sérias, o senhor sabe. Continuando: caí em cima da moça. Agora, ela nua, eu nu... Tinha de acontecer o que aconteceu, o senhor não acha? Mas creia-me, senhor juiz: no fundo, no fundo, tudo não passou de acidente. Acidentes acontecem, o senhor sabe."
Folha de São Paulo (São Paulo) 09/05/2005