Realiza a Academia Brasileira de Letras, nas ocasiões oportunas, sessões de efemérides, dedicadas a datas referentes a antigos acadêmicos. Um dos que tiveram sua memória homenageada este mês foi Alberto de Oliveira. Nasceu o poeta quando o Brasil autônomo completava 35 anos de idade.
Acentuavam-se, então, entre nós, as mudanças no que fora "o tempo do rei" de Manuel Antonio de Almeida, e Alberto de Oliveira atravessou-as todas, com um firme propósito: a determinação de ser poeta. Pode-se dizer que ele só teve uma ideologia: a da forma perfeita, do arrojo verbal, do verso reto e puro, em permanente estado de paixão pela palavra.
Com ele estavam o som e a fúria - a precisão do som e o vigor da fúria. Foi, nesse particular, mais parnasiano do que os outros dois líderes da escola: Olavo Bilac e Raimundo Correia.
Ao escolher o patrono de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, optou por Cláudio Manuel da Costa, o parnasiano "avant-la-lettre" da insurreição mineira.
Alberto usava a palavra pelo seu peso no verso e por causa de todos os escaninhos sonoros de seu ritmo, numa aparente valorização do som puro sobre os significados, mas leiam-se seus versos uma segunda vez e descobrirão haver sua poesia um inesperado equilíbrio entre o som e a fúria. A beleza musical de seus versos faz-me lembrar a definição que ouvi de Paul Eluard, em Paris, há mais de meio século, de que a poesia canta.
Estas palavras ditas por quem era, após a suposta morte do parnasianismo francês, revelava a permanência, em secretos compartimentos da memória, de técnicas antigas, que um escritor pega, às vezes séculos mais tarde, para renovar a expressão literária de seu tempo.
Somos velhos e jovens, nessa luta pelo domínio da palavra poética, tentamos ser domadores de uma realidade sempre renovada, enchemos nossos alforjes de palavras que vamos tirando para a invenção de um mundo que, se acertamos, existirá para sempre.
Não se duvida haja Alberto de Oliveira atingido um ápice da poética brasileira. Seu soneto "Vaso grego", em estilo diferente, pode ser posto ao lado da famosa ode à uma grega de Keats, cujo verso: "A thing of beauty is a joy for ever". Virou filosofia de vida. Eis o primeiro quarteto de "Vaso grego":
"Essa, de áureos relevos, trabalhada/ De divas mãos, brilhante copa, um dia,/ Já de aos deuses servir como cansada,/ Vinda do Olimpo, a um novo deus servia."
Pertencente a uma família de 17 irmãos e irmãs, em que todos faziam poesia, poucos poetas nossos tiveram uma participação tão viva na literatura de um tempo como Alberto de Oliveira, cujas palavras raras, confirmando sua adesão às normas parnasianas, levavam, e ainda levam, muitos leitores ao dicionário. Usava termos assim: úsnea (líquen, penugem), lisins (veios da pedra), esconsa (inclinada, oblíqua) ou punícea (vermelho, cor de romã).
Como neste verso, em que aparecem duas dessas palavras: "O gotear dos lisins de esconsa pedra." É como se tentasse mostrar que o som de uma palavra insinua um pouco do que significa, numa onomatopoética além do signo imediato.
E um poeta de outra vertente, Mário de Andrade, antiparnasiano por excelência, em sua "Carta aberta a Alberto de Oliveira", pôde dizer: "Quando releio "Por amor de uma lágrima", certas páginas do Livro de Ema, aquela sublime "Voz das árvores", a admirável "Sala de baile", bem sei que tenho um poeta junto de mim."
A "Voz das árvores", que Mário de Andrade chama de "sublime", é este poema de amor a Margarida: "Acordo à noite assustado./ Ouço lá fora um lamento.../ Quem geme tão tarde? O vento?/Não. É um canto prolongado/- Hino imenso a envolver toda a montanha: /São, em música estranha, /Jamais ouvida,/ As árvores, ao luar que nasce e as beija,/Em surdina cantando,/Como um bando/De vozes numa igreja:/Margarida! Margarida!"
Não só no lado formal se revela Alberto de Oliveira como o poeta de um tempo. Seu verso chega também a um toque surrealista, ao poema-que-narra-história, a uma certa ironia em que aparece a tensão de que fala Claudel. Diz Claudel que a prosa normalmente nos transmite conhecimento, a poesia nos dá emoção e alegria, às vezes tensão. Nesta última classe aparecem poemas de Alberto, de que "A vingança da porta" seria um bom exemplo:
"Era um hábito antigo que ele tinha:/Entrar, dando com a porta nos batentes./- Que te fez essa porta? A mulher vinha/E interrogava. Ele, cerrando os dentes:// Nada! Traze o jantar. - Mas à noitinha/Calmava-se; feliz os inocentes/Olhos revê da filha e a cabecinha/Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.// Uma vez, ao tornar a casa, quando/Erguia a aldraba, o coração lhe fala:/Entra mais devagar... - Pára, hesitando...// Nisso nos gonzos range a velha porta,/ Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala/ A mulher como douda e a filha morta".
Nesta vingança está não somente a inspiração do autor, mas sua respiração, seu hausto, soprando sobre nós, fazendo-nos partícipes de sua emoção. No seu ritmo e no poder de sua linguagem descobrimos até que ponto conseguimos criar uma poesia que nos representa e fala por nós.
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) 18/05/2004