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Paus-de-arara

 

PAUS-DE-ARARA


 


Carlos Heitor Cony


 


Usuário compulsório do transporte aéreo, com necessidade de me deslocar pelo território nacional e eventualmente para fora, estou padecendo, como milhares de passageiros, da continuada crise que se abateu sobre o tráfego aéreo.

Sabemos que as companhias estão em dificuldades, sobretudo as duas maiores, que, em alguns casos, fizeram uma parceria que parece chegar ao fim. A crise não é doméstica, atinge também empresas de países mais ricos e organizados.


Contudo o nosso drama é mais agudo e devastador. França, Alemanha, Espanha, Portugal e Inglaterra, além de infinitamente menores, são servidos por extraordinárias malhas rodoviária e ferroviária, que, além de darem para o gasto doméstico, fazem conexões entre si.


Não é o nosso caso. Tirante o Estado de São Paulo, no restante do país é uma temeridade usar o carro para longas distâncias. O avião é a única opção -uma opção cada vez mais problemática. Não em termos de segurança. Os pilotos, as tripulações e as turmas de manutenção que mantêm em uso a combalida frota de que dispomos merecem uma estátua, um panteão.


Mas o serviço em si, que não depende deles, mas da estrutura e da logística de cada empresa, atingiu um ponto lamentável, até mesmo vergonhoso, em termos de serviço público. Não se trata da irregularidade dos horários, mas dos cancelamentos abruptos de vôos em cima da hora, quando as bagagens já estão embarcadas, as conexões fixadas, os portões de embarque marcados e explicitados nos painéis eletrônicos.


Isso sem falar no cancelamento de linhas, obrigando os usuários a ir de um ponto a outro em gincanas absurdas. Semana dessas, para ir a uma capital do Nordeste, tive de ir do Santos Dumont a Congonhas, de Congonhas a Guarulhos, de Guarulhos a Brasília e de Brasília a Salvador para finalmente chegar ao meu destino. É evidente que a minha mala ficou numas das escalas.


Lula se orgulha de ter sido um pau-de-arara. Eu tenho raiva por ser um deles.


 




Folha de São Paulo (São Paulo) 12/05/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 12/05/2005