Mais uma vez, comissão de artistas vai ao governo pedir providências contra a falta de atenção e incentivos à cultura, prometidos durante as campanhas eleitorais, quase que de porta em porta, e esquecidos ou simplesmente negados durante o mandato de cada grupo que chega ao poder.
Os problemas são os mesmos, mesmas as queixas, mesmas as pessoas que fazem parte das pias delegações, só mudando a autoridade da vez. Semana passada, a autoridade foi José Dirceu, que não tem nada contra a cultura, mas alega que também nada tem com o dinheiro, que a situação está ruim, que "o Estado brasileiro estava se desmilingüindo" etc. Como se vê, mesmas as explicações.
Já comentei, em crônica antiga, o espanto de Fernanda Montenegro: ela fez toda a sua carreira trabalhando no regime da livre iniciativa, casou, criou os filhos, comprou apartamento -tudo com o dinheiro do seu suor e da bilheteria. Hoje, sem ajuda do governo direta ou indiretamente, sem os patrocínios disso ou daquilo, nenhum teatro se abre, nenhum filme começa a rodar.
A menos que os produtores enfrentem o mercado internacional, indo à luta lá fora -e, verdade seja dita, são bem-sucedidos. Cineastas de outros países estão fazendo o mesmo.
Outro dia, recebi um grupo de universitários que, entre outras coisas, desejam fazer cinema e acreditam que tudo depende do financiamento governamental. Por acaso, um produtor me visitava naquele momento, elogiou o entusiasmo dos jovens, mas explicou que não basta rodar e terminar um filme. Há que enfrentar o distribuidor e o exibidor. Finalmente o público.
Segundo o produtor, tudo termina em latas de goiabada, grandes, com que os cineastas vão de um lado para outro tentando entrar numa programação. O que há de latas de goiabada esperando a vez não é mole. Concorrência do exterior, poucas salas, alto custo da publicidade -um filme pode ser financiado ou patrocinado, mas a estrada é longa, e a vida, breve.
Folha de São Paulo (São Paulo) 16/05/2005