Já foi o tempo em que "governar era abrir estradas". De Washington Luiz, autor da frase, a Lula, autor de outra frase -"olhem para minha cara e vejam se estou preocupado"-, as coisas mudaram, acho que para pior.
Governar, nos dias atuais, é garantir a impunidade, impedir as CPIs, compor uma imagem tranqüila e perguntar se a cara do principal governante revela qualquer tipo de preocupação com o presente e com o futuro do país. É evidente que Lula não precisa exagerar, amarrar a cara ou torná-la amarga como se tivesse tomado óleo de rícino ou purgante de igual devastação.
Mas a verdade é que deveria estar minimamente preocupado com a situação criada em grande parte por seu estilo de governar. No momento, pesam sobre o seu governo e sobre o seu partido graves acusações de uma corrupção quase generalizada. Felizmente, não há acusações nem suspeitas sobre o próprio Lula, mas não deixa de ser estranha a declaração de que daria "um cheque em branco" para um aliado cujo nome rola por aí como envolvido no escândalo dos Correios.
Para quem for entendido em leituras de cara, a calma presidencial se deve, talvez, ao processo até agora favorável de sua reeleição. Apesar da grita dos opositores, o tabuleiro está se armando sem tropeços maiores. Não chega a ser uma vantagem: todas as energias do poder estão concentradas nesse projeto. Eliminação gradual de possíveis concorrentes e alianças estaduais que não façam marola. Sem falar, é claro, na vice-presidência, que poderá ser oferecida de bandeja ao Severino, de quem tanto gosto, mas que já nasceu com a cara amarrada que combina com a situação.
Lembro uma resposta de Nereu Ramos, que exerceu a Presidência da República na crise contra a posse de JK. Era um catarinense fechado, meio sinistro. Perguntaram-lhe por que mantinha aquela cara. Ele respondeu: "Se eu tivesse outra usaria esta?".
Folha de São Paulo (São Paulo) 23/05/2005