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Uma triste lembrança

 

Secretário de Cultura do Estado, membro da Academia Brasileira de Letras e presidente do Conselho de Comunicação do Congresso O Tribunal do Santo Ofício, abominável em sua essência, operou no Brasil cerca de 240 anos, com a matriz situada em Portugal, onde teve mais de 280 anos de existência. Foram várias as injustiças cometidas contra os judeus, com processos infames e descabidos. Com isso, muitos foram sacrificados e outros viveram na clandestinidade, sem poder professar claramente a sua fé original.


O nome de Antônio José da Silva, o Judeu, é um dos mais notáveis e emblemáticos. Nascido no Rio de Janeiro, em 1705, sempre foi considerado descendente de judeus. Mudou-se para Lisboa aos oito anos, para acompanhar o pai e a mãe prisioneira, acusada de praticar o judaísmo, como se isso fosse crime em qualquer época. Antônio José escreveu diversas peças teatrais, alcançando fama e popularidade.


Dedos esmagados


À época não havia o sagrado direito à opinião. Na tentativa de calar o poeta intimidaram-no, e lhes confiscaram os bens além de esmagarem os seus dedos - ato praticado na Igreja de São Domingos - na esperança de que assim ficasse impedido de manejar sua pena mordaz. Não surtiu efeito. Então, a tática foi outra: uma rede de denúncias e falsos testemunhos, como a de que ele ria quando ouvia falar o nome de Cristo, jejuava às segundas e às quintas-feiras, vestia roupa limpa aos sábados e rezava o Padre Nosso, substituindo no final o nome de Jesus pelo de Abrahão e o Deus de Israel.


Foi condenado à pena capital, em 11 de março de 1739, sendo queimado em 21 de outubro do mesmo ano, em praça pública. Com requintes de crueldade, obrigaram sua mãe septuagenária, sua mulher e sua filha de quatro anos a assistirem aquela lamentável exibição. Confundir tais atos com a Igreja Católica de hoje é um equívoco de que devemos nos divorciar. Não pode haver essa culpa eterna.


A realidade e a ficção, na obra de Antônio José da Silva, o Judeu, estão presentes no texto de Camilo Castelo Branco e da especialista Anita Novinsky, titular da Universidade de São Paulo.


Exemplo de dignidade


Para o acadêmico Moacyr Scliar, os judeus deram importante contribuição à cultura brasileira. Marrano foi o primeiro poeta brasileiro, Bento Teixeira, assim como Marrano foi o seu primeiro grande dramaturgo. Apesar da permanente ameaça, por mais de dois séculos, os judeus aferraram-se às suas crenças e costumes, dando raro exemplo de dignidade. Um breve interregno ocorreu apenas quando do domínio holandês, no Nordeste brasileiro (1624-1654). Sob os tolerantes calvinistas, puderam os judeus praticar a sua religião e prosperaram do ponto de vista econômico.


Não se diga que faltou a Portugal o sábio aconselhamento do padre Antônio Vieira a respeito das perseguições aos judeus. Em várias correspondências e atitudes públicas, o autor de "Os Sermões" tomou corajosas posições, o que lhe valeu uma prisão de dois anos e três meses. Uma carta ao rei D. João IV é bem elucidativa: "Uma opinião se espalhou pelo mundo e nos tem feito grandes danos: a de que Vossa Majestade é pouco afeito aos homens de Nação, os quais, de outro modo, poderão ser muito úteis a Portugal, pelo muito que poderão nos dar, adotando o país como sua pátria."


Foi o que não pensaram os algozes de Antônio José da Silva, o Judeu, e tantas outras vítimas da lamentável Inquisição.


 


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 23/05/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 23/05/2005