Nos idos dos anos 50, eu e Lêdo éramos apenas mais dois personagens no extenso fabulário da nossa comum geração de jovens nordestinos nômades que emigravam de suas terras secas lá, no Nordeste, para virem batalhar por um lugar ao sol nesta selva das grandes cidades. Lembro-me bem dos nossos inesquecíveis tempos na Tribuna da Imprensa, quando ele, bem cedinho, irrompia pela redação adentro, na Rua do Lavradio, e ia logo perguntando em alto e bom som:
- Murilo, você já leu hoje o nosso poeta ''Rimbauzinho''?
Lembro-me também das memoráveis batalhas jornalísticas que juntos travamos contra o lenocínio no Mangue, contra a corrupção policial, contra o jogo do bicho, contra o prefeito Mendes de Moraes e contra o presidente Getúlio Vargas, até a campanha Ajuda Teu Irmão, em favor dos flagelados da seca no Nordeste.
Pela Global Editora, foi lançado há poucos dias o seu livro de prosa Melhores crônicas, e ainda na semana passada, pela Topbooks, o seu livro de poesias Plenilúnio. Há um mês, havia sido lançado em São Paulo, por Rubens Eduardo Ferreira Frias, um livro sobre O ninho de cobras, um romance seu. Em breve, novamente pela Topbooks, será lançada a quarta edição das Confissões de um poeta, uma autobiografia sua. Em julho, essa mesma editora lançará um livro de mil páginas, apresentado pelo acadêmico Ivan Junqueira, com a Poesia completa de Lêdo Ivo.
Tudo isto acontece quando ele chega aos 80 anos, aniversário que a Academia Brasileira de Letras vai comemorar no próximo dia 17 com uma exposição e uma mesa-redonda. Esse novo ''oitentão'' chega a essa idade pleno de energia, de lucidez e de vitalidade, com obras como Ode e elegia, Prêmio Olavo Bilac; Finisterra, Prêmios Jabuti e Casimiro de Abreu; Curral de peixe, Prêmio Cassiano Ricardo; e, pelo conjunto de obra, Prêmio Mário de Andrade.
Lêdo Ivo é também um admirável romancista, autor de As alianças, premiado pela Fundação Graça Aranha; e de Ninho de cobras, laureado com o IV Prêmio Walmap de Literatura e traduzido para o inglês e o dinamarquês. É ainda o inspirado contista de O flautim e o modelar ensaísta de A cidade e os dias, distinguido com o Prêmio Carlos de Laet e que, dentro de uma obra poliédrica e multifacetada, está construindo, como se vê, uma bibliografia significativa e importante.
Em Plenilúnio, ele confirma sua legenda de autêntica rebeldia, que não se subordina aos cânones existentes. É ousado, forte e original, não se contendo nos limites da poesia tradicional. Ao contrário, Lêdo inova em cada poema, deixando em todos a sua marca indelével. Ele não faz um protesto ou um desafio, que não são propriamente as especialidades e características deste alagoano de Maceió nascido em 18 de fevereiro, autêntico representante da Geração de 45, ao reagir esteticamente contra a demolição da Semana de Arte Moderna de 1922.
Mesmo nessa reação, Lêdo conserva as conquistas da poética livre, que, no seu caso, é muito própria e pessoal. Segundo o acadêmico Antônio Olinto, a poesia de Lêdo é canto, cântico, cantiga, peça coral. E o cuidado com que ele examina, depura e emprega cada palavra é responsável pela nobre contenção do seu verso. Após a publicação de todos esses livros já referidos, Lêdo conquista, pouco a pouco, o seu merecido lugar de destaque e de vanguarda no universo literário do país.
E consagra-se como sucessor de Evaristo da Veiga, Rui Barbosa, Laudelino Freire, Osvaldo Orico e Orígenes Lessa na Cadeira nº 10, da ABL, com uma presença atuante em toda a nossa vida e com participação em que sobrassaem a sua franqueza, a sua correção e o seu bom humor, que têm construído em torno de sua pessoa uma aura e uma atmosfera de imenso carinho e de enorme simpatia.
Bem haja, então, o acadêmico Lêdo Ivo - pai do excelente pintor Gonçalo Ivo - que chega aos 80 anos com o mesmo e jovem entusiasmo pela literatura e pelo jornalismo.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) 02/06/2004