Em seus 15 anos de atividade política intensa - de 1822 a 1837 , quando morreu - contribuiu Evaristo da Veiga decisivamente para estabilizar um Império e preservar a integridade do território brasileiro, em tempos que dividiram a América do Sul espanhola em nove países diferentes, além de esfacelar a América Central, também espanhola, em unidades políticas pequenas. Era no tempo do Rei, como diria Manuel Antônio de Almeida, e nele o menino Evaristo, que nascera em 1799, iniciara seu contato com os livros, trabalhando, com o irmão mais velho, João Pedro, na livraria do pai.
Mais tarde, os dois irmãos abririam também suas livrarias, de modo que a família Veiga passou a dirigir os únicos postos de livros na cidade. Evaristo fez cursos de línguas e de retórica, aprendeu Latim no Seminário São José, seu professor de francês, Luís Carlos Franche, deixou, sobre o aluno, sua opinião por escrito, que hoje se encontra na Biblioteca Nacional, dizendo-o "capaz de traduzir fielmente qualquer livro francês no idioma nacional".
Quando mais jovem, fora poeta. Como não tê-lo sido, num momento de entusiasmo patriótico e preso a uma tradição que vinha do árcade Cláudio Manuel da Costa? Apesar desse promissor começo intelectual, dificilmente alguém poderia então prever que Evaristo viria a ser um dos fundadores do Império do Brasil, lugar em que Otávio Tarquínio de Sousa o coloca.
A partir de 1827, deu Evaristo início a uma nova atividade, a de jornalista. Saiu então, na sexta-feira 21 de dezembro, seu jornal "Aurora Fluminense" e dele Evaristo se tornaria "o redator principal e finalmente o único" e nela defenderia "a liberdade constitucional, o sistema representativo e a liberdade de imprensa".
Achava que a monarquia absoluta não interessava ao Brasil. No seu jornal e, mais tarde, como deputado eleito para a Câmara por Minas Gerais, lutou pela monarquia constitucional representativa, não pela República. Ponderava que esta, naquele momento, era a revolução, e escrevia: "Queremos a Constituição, não a revolução". Entrou também Evaristo na luta em favor da Abolição da Escravatura, já que não se conformava com a perpetuação, depois da Independência do Brasil, de escravos no país.
Numa República imediata, via a possibilidade próxima de surgirem novos países no Nordeste, na Amazônia, no Oeste ou no Sul, com o fim da unidade nacional. Queria um imperador nascido no Brasil, em vez de um português no trono. Quando D. Pedro I renunciou, Evaristo escreveu: "Do dia 7 de abril de 1831 começou nossa existência nacional; o Brasil será dos brasileiros, e livre".
Condenou os exageros e escreveu no seu jornal que havia dois grupos igualmente irritados no País, igualmente afastados do justo meio, acrescentando: "Em uns, o desejo de vestirem a nossa monarquia com as galas e velhos atavios que o regime gótico legou aos povos europeus; em outros, a idéia da república que se enfeita com as nobres cores da liberdade, manifestando-se com pequeno disfarce, comprometendo do mesmo modo a prosperidade e o destino do Brasil". O que Evaristo desejava era o regime monárquico constitucional representativo. Era o parlamentarismo.
O novo imperador era um menino, fazia-se mister fosse escolhido um regente para governar o País. Evaristo não só participou da escolha como foi o encarregado de redigir a proclamação do ato. Surgiu, assim, a regência tripla, composta por dois civis - Caravelas e Vergueiro - e um militar, o brigadeiro Francisco de Lima e Silva.
Houve um Te-Deum, com a presença do "pequeno imperador", então com seis anos. Dando a notícia da festa em seu jornal, Evaristo alertou: "Tomem cuidado nesse menino: não o deixem corromper: vigiem zelosamente a sua educação. O exemplo de seu pai pode-lhe ser muito útil se souberem mostrar-lhe por que erradas veredas esse príncipe se desvairou..."
A presença de Evaristo na Câmara tornou-se tão atuante que outros jornais - "Malagueta", "Jurujuba", "Mutuca" - o atacavam incessantemente. Sendo de estatura abaixo da mediana e desprovido de atrativos físicos, aparecia em textos zombeteiros, riam-se de sua profissão de livreiro, diziam que tinha "olhos de porco" e era "gente do Ministro Feijó". Resposta de Evaristo: "Eu não careço do governo para nada, não sou homem de ninguém, o governo não me fez benefício algum, e, se quiser fazê-lo, eu o rejeito. Vendo livros em minha casa e disso recebo uma subsistência honrada."
A exaltação política se acentuava e o que se esperava, aconteceu. Numa reunião de Evaristo e outros políticos, na livraria de seu irmão João Pedro, Evaristo foi alvejado por um tiro de pistola. O criminoso sumiu, deixando Evaristo com um pequeno pedaço de chumbo perto do olho esquerdo. Ele pediu um livro, leu-o e disse: "Bom, cego não estou: ainda posso ler." Na mesma época, dirigiu a campanha de Feijó para Regente único do País.
Foi a primeira eleição nacional realizada no Brasil. Vitorioso Feijó, Evaristo desejou conhecer Minas Gerais, onde recebera o apoio para sua candidatura à Câmara e onde moravam dois de seus irmãos. A viagem era a cavalo. Durou 20 dias do Rio a Campanha. Ficou muito orgulhoso de haver feito mais de 350 quilômetros a cavalo.
Males contraídos na viagem mataram-no a 12 de maio de 1836. Evaristo da Veiga morria jovem. Não completara ainda 38 anos. Com sua baixa estatura e seus "olhos de porco" fora dos melhores tribunos do começo da independência brasileira. Lutara pela integridade do território nacional e por um tipo mais democrático de monarquia. Dera rumos ao País, numa atividade baseada em sua livraria e em seu jornal. A palavra escrita e a palavra falada foram seus instrumentos na luta que empreendeu para fundar uma nação.
O secretário de Cultura do Estado do Rio, acadêmico Arnaldo Niskier, promoveu a produção de belo volume destinado a celebrar a "Aurora Fluminense" e Evaristo da Veiga.
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 31/05/2005