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Evaristo da Veiga

INTRODUÇÃO À VIDA DE UM JORNAL

A Aurora da liberdade, que, pela primeira vez, espalhou o seu resplandecente manto sobre o vasto horizonte do Brasil em 1822, hoje brilha ainda com todo o seu resplendor: os primeiros raios desta filha do Céu fecundarão o solo sagrado da Pátria; desde a memorável era da Independência uma geração nova cresce, e se nutre em os princípios de uma justa Liberdade, garantida pelo governo representativo. A Constituição dada à Nação por seu Soberano legítimo, acolhida com reconhecimento, interpretada com o mais severo juízo pelos Mandatários do povo, observada pelo poder executivo, e finalmente respeitada por todos os verdadeiros amigos da ordem e do bem público, se reforça de dia em dia cada vez mais em suas bases, e na opinião pública exaure o impulso de seu crescimento. E assim qual seria o nosso mais sagrado dever, se não o de concorrermos por nossos trabalhos para mantermos o pacto legislativo, que liga a Nação ao Soberano! Este é pois o nobre encargo que nos impomos hoje: talvez que para o digno desempenho de uma tão nobre, quanto louvável tarefa, fossem necessários grandes talentos e uma experiência, que não é possível sejam já partilha nossa.

Os redatores do novo Jornal, recomendado à indulgência dos nossos Leitores, despontam hoje do seio dessa classe de cidadãos verdadeiramente nacional, da que compõe na época atual a flor da Nação, em uma palavra, da Mocidade Brasileira.

Até o dia de hoje o regime colonial tinha sufocado a instrução primária: era preciso aos jovens brasileiros correr além dos mares para irem buscar uma educação incompleta, consumirem-se em estudos recheados de estéreis dificuldades, e voltarem curvados sob o degradante peso dos prejuízos de uma educação, que era em grande parte o patrimônio dos frades da metrópole; agora, porém, a mesma Europa traz ao nosso próprio solo suas riquezas científicas e literárias, e por isso o estudo das línguas estrangeiras já faz no Brasil progressos incríveis; uma educação mais metódica se difunde em escolas regulares; as artes se cultivam com felizes resultados; e a literatura, prestando à política as armas, e a linguagem que lhe é própria, já se vai afastando da fieira da rotina, despindo-se das sutilezas escolásticas, e já abjura a filosofia obscura e silogística das escolas teológicas de Portugal.

O plano desta folha periódica, que, pela terna lembrança da nossa independência e dos grandes serviços que lhe há prestado a capital do império, nós intitulamos - A Aurora Fluminense - será conforme aos planos adotados em vários jornais, tanto da América como da Europa. O jornal será composto de três seções, que vêm a ser Interior, Exterior e Variedades. A primeira seção conterá duas partes; uma será consagrada à polêmica sobre as questões que interessam à Nação no exercício de seus direitos constitucionais; a outra constará de notícias do Brasil, dignas de fixarem a atenção dos leitores, capazes de dar informações verídicas sobre o país e de inspirar ao estrangeiro uma idéia vantajosa sobre esta parte da América. A segunda exporá as notícias exteriores. Na terceira finalmente terão lugar as correspondências que aos nosso concidadãos aprazer enviar-nos, as análises de obras interessantes, literárias ou políticas, hinos nacionais, e todos os fragmentos de literatura que de ordinário os outros jornais compreendem no artigo Variedades.

Nós, animados pelo amor da Pátria, e possuídos de um santo respeito para a Constituição e para o Soberano, que a jurou conosco, não nutrindo em nós outra paixão mais que a do bem público, não marcharemos sobre as pisadas daqueles que por efeito de paixões ambiciosas ou venais, fazem alternativamente da liberdade seu ídolo, ou um monstro de sua inimizade. A mocidade brasileira não segue as lições de alguns dos que a precederam; pelo contrário, ela deve mostrar ser sempre dócil à voz da razão, e surda às seduções capciosas da intriga, que nesta bela e ditosa parte do mundo mina todas as empresas úteis, reprime o impulso dos corações generosos, e só aplaude e festeja os abusos de que ela é o princípio motor. É nossa moral o não capitular com algum abuso, não desculpar, nem poupar alguma injustiça; e por mais poderoso que seja o atrativo da arbitrariedade, é dever sagrado do escritor, homem de bem e de honra, atacá-lo sem rebuço, assim como também sem temor lhe cumpre defender o infortúnio, por mais opresso e cheio de opróbrios que se lhe apresente.

Tais são os princípios, e tal é a profissão de fé dos que se puseram à frente desta empresa literária. A liberdade da imprensa, que se acha proclamada no Brasil, é a arma poderosa que nossas ainda jovens e débeis mãos devem aprender a manejar com destreza, para lutarem contra o despotismo e contra o governo absoluto. Trabalhemos, portanto, a apertar estreitamente a aliança entre o Povo e o Soberano, sejamos corajosos, perseverantes, e até mesmo importunos na exigência de nossas garantias; porém defendamo-nos severamente de todo e qualquer espírito de facção e de turbulência: assim é que conseguiremos obter vitória completa sobre os inimigos e detratores de nossa Pátria: pelo nosso amor da ordem, e pelo nosso culto para a Constituição é que nós conseguiremos dar ao nosso governo uma existência durável, aos nossos contemporâneos um exemplo de caráter, que para o futuro nos assegurará um lugar distinto entre as Nações civilizadas do antigo e do novo continente.

(A Aurora Fluminense, n. 1, de 21 de dezembro de 1827.)

 

O TALISMÃ MÁGICO

As palavras Revolução, Revolucionário são uma espécie de talismã mágico, com que os Governantes sabem a propósito fazer calar a opinião pública e incutir terrores nos homens pacíficos e moderados. E, contudo, as Revoluções são sempre filhas dos erros dos Governos, pois os Povos não saem facilmente dos seus hábitos, e amam de coração a tranquilidade e o repouso. É depois de se haver por todos os meios atormentado a população, calcado o seu amor-próprio, ultrajado os seus prejuízos mais nobres, os seus direitos mais respeitáveis, que a indignação rompe todas as barreiras, e aparecem esses vulcões, e lavas, que tudo levam diante de si, ou esses surdos trovões, que abalam a terra. Os Governantes, iludidos pelos seus caprichos e ambição, folgam com os maus feitos de alguns indignos agentes, que enviam às Províncias, e que aí só tratam ou de saciar de vinganças um partido, ou de oprimir e aviltar os cidadãos, que mostram amor pela Pátria e sentimentos de elevada independência: ao depois, quando os funestos efeitos de tão erradas medidas chegam a aparecer, a autoridade raras vezes deixa de atribuí-los ao espírito de sedição, aos malvados inimigos da ordem, & cia. e de lançar mão deste pretexto para novos atos de arbitrariedade e talvez de tirania. Que se segue daí? A cólera do povo comprimida torna-se ainda mais terrível, uma conspiração contém o germe de um cento delas: vítimas inúteis são sacrificadas, e quanto mais o Governo se desvia da moderação e das leis, tanto maior força ganha o descontentamento, pai de comoções contínuas. Se o Poder quisesse sinceramente evitar o flagelo das Revoluções violentas, (que na verdade não produzem bem algum), tinha à sua disposição um meio eficaz e muito fácil; este meio consiste em ser fiel às Instituições do Estado, e dar a conhecer que deseja a felicidade pública.

O Povo nunca é ingrato a quem lhe faz benefícios, e os votos impotentes de alguns espíritos inquietos e malignos perdem-se no meio da satisfação e comprazimento geral. Nem se diga que os intrigantes exercem muitas vezes grande influência sobre a população, e que as suas tramas são tão bem urdidas, que iludem ainda os homens bem intencionados e sinceros. Contra os fatos nada há que valha, e quando os Cidadãos observam que a Autoridade por atos contínuos se dirige a procurar-lhes o maior bem possível, e se desvela na sua prosperidade, ninguém poderá por especiosas teorias arrastá-los à revolução e às desordens. Mas suponhamos que numa Província o Povo, vivendo debaixo da aparente proteção de uma Constituição livre, a cada passo a vê infringida; que vê por um culpável desprezo da fé jurada o cutelo da perseguição erguido sobre os escritores generosos, que intentam defender os direitos dos indivíduos; o patriotismo olhado como um título para a suspeita, e os inimigos da sociedade civil rodeando a pessoa do Agente do Poder, benquistos, e com a sua presença afrontando todos aqueles a quem restam sentimentos de dignidade pessoal e aferro ao país a que pertencem. Que conseqüências poderá ter semelhante estado de coisas? Devemos confessar que a força da autoridade é aí muito falível; que tarde ou cedo o edifício fundado sobre a injustiça será abalado pelos alicerces, e que o Poder sucumbirá debaixo do peso dos seus mesmos triunfos. A Lei: o bem comum, eis aí o norte que devem ter os que governam, até para sua própria segurança. De que servem as melhores Instituições, se na execução se iludem, se aqueles mesmos que foram postos como vigias, e protetores dos nossos foros, são os que trabalham por frustrar-nos da sua fruição, e se regozijam com a ilusão e perfídia, de que fazem jogo? Não acusem ao depois o Povo; reconheçam os seus erros, filhos de paixões mal regradas, a causa dos males que todos deploramos, e em vez de amontoarem arbítrio a arbítrio, de substituírem o regime do terror ao engano, tratam de estabelecer francamente o Império da Justiça e da imparcialidade legal.

Daí pende essencialmente o nosso e o seu interesse: a Constituição é o nexo comum, que deve prender Governantes e Governados.

(A Aurora Fluminense, n. 59, 25 de junho de 1828.)