O título é um verso de Castro Alves, por sinal do seu poema mais conhecido: "O Navio Negreiro". O horror a que o poeta se refere é o da escravidão, os negros trazidos da África, amarrados nos porões dos navios, em grupos de dez, se um deles morria durante a viagem, a fileira era jogada ao mar, não havia como liberar os vivos da cadeia infernal.
Tomo emprestado o verso para comentar a chacina de 30 pessoas na semana passada no Rio. O alvo do crime eram apenas quatro ou cinco marginais. Para não deixar testemunhas, todos os que estavam perto ou que, de alguma forma, poderiam ter visto o massacre, também foram mortos.
Esse foi o horror em si. O horror e mais horror fica por conta dos criminosos. Não eram bandidos comuns, integrantes de quadrilhas rivais, como geralmente acontece quando há tantas vítimas de uma só vez. Os assassinos provavelmente são policiais, popularmente chamados de "agentes da lei". Formados e pagos para defender o povo, proteger os cidadãos.
Poderia acrescentar mais um horror ao duplo horror do título acima. Esse horror fica por conta da motivação do crime. É evidente que os supostos policiais tentaram cobrar dívidas não pagas pelos criminosos que seriam o objetivo preferencial da chacina. Que tipo de dívidas? Tudo leva a crer que seriam dívidas dos subornos, do rateio em que policiais recebem dinheiro dos marginais em troca de favorecimento e até mesmo de cobertura policial.
O que espanta a sociedade, que somos todos nós, é a impunidade também continuada desse tipo de crime, o conluio da polícia com o crime. Conheço e respeito o Marcelo Itagiba, secretário de Segurança aqui do Rio. Imagino o seu drama, como autoridade, e a sua revolta, como cidadão. Sei que fará tudo para desvendar e punir esse crime. Infelizmente, será uma gota d'água no mar em que estamos mergulhados. Somos uma espécie de navio negreiro transportando a miséria social de nossos pecados.
Folha de São Paulo (São Paulo) 05/04/2005