Querendo ou não, o assunto dos últimos dias continua sendo a morte de João Paulo 2º. Durante o seu funeral, uma faixa chamou a atenção de todos: "Santo subito". Em tradução literal, santo já, santo logo, santo imediatamente.
Todos sabemos, e o próprio João Paulo 2º o disse várias vezes, que a Igreja Católica não é uma instituição democrática. É uma monarquia não-dinástica, o soberano é eleito por um colegiado, como nos regimes parlamentaristas, mas os cardeais que o compõem não são eleitos pelo povo. É complicado explicar, mas é assim mesmo.
A faixa estendida na praça de São Pedro trazia um apelo fortemente popular. E, no encerramento da cerimônia, quando o caixão do papa saía das vistas do povo e entrava na basílica, o grito partiu de toda aquela multidão: "Santo! Santo! Santo!".
Uma canonização apressada mas espontânea, sem cabos eleitorais, inesperada. Expressava um sentimento geral. Sabemos como é complexo o processo de canonização, são necessários mil requisitos, testemunhos, milagres, há até mesmo a figura do advogado do diabo, criação estupenda da tradição católica, um promotor com dezenas de auxiliares que esmiúçam a vida e as obras do candidato a santo, procurando pecados, falhas e omissões.
Em se tratando de pessoa desconhecida, a tarefa pode ser mais fácil para o tal advogado, haverá sempre uma zona ignorada sobre a vida real daqueles que morrem em "odor de santidade", pitoresca expressão que cria a expectativa de um novo santo.
No caso de um papa, e de um papa de intensa exposição como João Paulo 2º, a tarefa desse advogado será mais difícil. Não bastará a negação das virtudes pessoais que constituem a base para a canonização. Ele terá de especular sobre as conseqüências do pontificado que se encerrou -e isso demanda tempo e perspectiva. No caso de um papa que mais santos elevou aos altares, a pressão do povo, talvez pela primeira vez na história da Igreja Católica, será decisiva e mandará o advogado do diabo ao diabo.
Folha de São Paulo (São Paulo) 11/04/2005