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A agonia da civilização

 

A civilização insere-se na chave da filosofia da história. É esse o seu objetivo, embora, como já dizia o velho Aristóteles, o homem seja um animal político, pois desde que nasce até a morte vive em sociedades regidas por códigos e leis. Infelizmente, estamos na quadra histórica do ateísmo, ganhando adeptos. É esse o grande e profundo mal de que sofrem os povos, inclusive os mais adiantados nas suas instituições.


Não confundimos, como fazem autores alemães, cultura e civilização, mas, somente separando-as concebemos uma civilização alimentada por uma cultura, herdeira, para cumprir sua missão, de suas origens espirituais. Entendemos que essa cultura deva ser cristã, pois a Igreja, fundada pelo Filho de Deus, teve a finalidade de nos limpar do pecado para, pelo culto permanente da doutrina que nasceu com o cristianismo, aprimorarmo-nos como irmãos, segundo os Evangelhos.


As civilizações têm soçobrado no longo périplo da história. Esse o ponto fraco de todas elas. Ninguém pode afirmar que a civilização cristã também não desapareça, embora as portas do inferno não prevaleçam contra ela, fundada por nosso Senhor Jesus Cristo sobre a pedra que era Pedro, o apóstolo que negou e se arrependeu.


Mas, Deus, que recusamos no curso desta história secularizada, é mais procurado do que qualquer valor terreno inestimável. O ateísmo, na realidade da história, não tem vida. É uma abstração do ser humano que não suporta o peso da divindade no curso de seus dias. É este o mal de que sofremos neste século, como o sofreram os nossos antepassados e como vão sofrendo os nossos descendentes, diretos ou indiretos.


Dos gregos pré-socráticos aos pós-socráticos, de Platão a Aristóteles e de seus epígonos até os nossos dias, já se inventou um sem-número de eufemismos para a condição do ateu e nenhum subsistiu. Pelos milênios que se sucederam até o advento de Cristo, filósofos, como Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino, Origines e tantos outros, o bem foi procurado com afinco, embora o mal tenha prevalecido sempre.


Mas, perguntamos, quem nos garante que os restos da civilização ocidental e cristã suportarão os embates do materialismo, alimentado pela ciência com enorme abundância? Nesta altura do terceiro milênio, em que nos encontramos, as crises se avolumam, dirigindo suas bombas contra todas as nações, mais adequadamente contra todas as suas instituições, que, por isso mesmo, estão abaladas.


O mundo tem na história transitado em crises. Não há uma só nação que não registre o conhecido time of troubles, que, da noite da história até os nossos dias, fez tremer as instituições, como bem o demonstra Toynbee. Desintegrou-se a civilização, entrou em colapso a cultura, e o ser humano, impotente, acabou sucumbindo nos seus ideais de vida. Não escapou das guerras, não gozou ou não soube gozar a paz. Vê que a história das civilizações é a história do ser humano em nações, ora íntegras, ora divididas, mas nações que se formaram no tempo.


Nações têm existido onde, por longo período de tempo, os seus habitantes vivem na paz a que aspiram. Mas são quadros históricos, são ciclos em que se revezam os bons com os maus, prevalecendo sempre os maus, não obstante a pregação da Igreja pelo respeito e assimilação do legado divino. Fomos nascidos e criados, constituímos família, tivemos filhos e descendentes para cumprirmos um destino: o da civilização expurgada de todas as mazelas. Transcorridos dois milênios do cristianismo, cuja missão era essa, somos os mesmos seres capazes de ódios e de fúrias contra o que deveria ser o irmão.


Tudo isto no meio da ciência altamente desenvolvida, como o ser humano não sonhara, faz poucos anos, com as suas invenções e descobertas, suas criações e o poder que pôs nas mãos de todos os seres, para imaginarem que na terra foi recriado o Paraíso Perdido. Acontece que o acesso aos bens está à disposição cada vez mais de uma reduzida minoria, enquanto a maioria das populações se debate em necessidades.


A civilização, infelizmente, não se mostra estabilizada. Ao contrário, ela se agita no turbilhão das contradições. Cristãos não se entendem. Muçulmanos contam em seu seio inimigos que deveriam se amar por amor ao Profeta. O budismo, o bramanismo, o shintoismo e as religiões reformadas não trouxeram paz à terra, a única que temos, onde nascemos e vamos reverter ao pó. A história continua a rolar no tempo, com suas crises, com seres felizes e seres infelizes, com os sãos e os enfermos, com os ricos e os pobres, com os pobres e os miseráveis.


Não sabemos para onde vamos. E não sabemos quando, finalmente, teremos paz. Sabemos apenas que, segundo o Êxodo, ''o Senhor reinará na eternidade e além da eternidade''.


É o nosso consolo, neste mundo de tremendas desilusões.


 


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 13/04/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 13/04/2005