Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > História de uma paixão

História de uma paixão

 

Em seu romance de agora, "O Zahir", atinge o mundo lúdico de Paulo Coelho um novo horizonte, num livro em que o misticismo aparece como base de uma história de amor. "O Zahir" é, como não podia deixar de ser, romance contado na primeira pessoa, com as qualidades que essa forma de narrativa exige, principalmente nos aprofundamentos que o autor provoca, ao examinar os momentos de abandono e desespero por que passa a paixão levada ao extremo de si mesma.


Sabe-se da resposta dada por André Malraux à pergunta feita por um jornalista nos anos 80 do século passado: "Como será a literatura no século XXI?". Disse Malraux: "No século XXI, a literatura ou será mística ou não será nada." Acrescentou que tal aconteceria por uma exigência do leitor comum, cansado de tanto livro que não levava em conta a tendência naturalmente mística do homem em seu confronto com a morte.


O sucesso internacional de Paulo Coelho, com base no misticismo de suas histórias, vem dar força à previsão de Malraux. Tal como em outros livros seus, o de agora também está ligado a uma busca. A "recherche", como elemento principal da literatura de ficção, que Proust elevou ao mais alto nível, tem sido a forma literária normal de narração desde que o Cervantes soltou seu "Dom Quixote" pelas estradas da Espanha. No caso de Paulo Coelho, sua busca se firmou também em terras espanholas que levam a Santiago de Compostela.


História de amor, sem dúvida, mas principalmente história de uma paixão que é o amor sem limites. Desde que a mulher o abandona, o personagem do romance não pensa em outra coisa que não seja tê-la de volta. Em sua angústia, precisa viver também a outra vida, a do dia-a-dia e, ao longo de seus contatos com os "outros" - que são todos os que não podem ajudá-lo a reconquistar a mulher amada - levanta o romancista o retrato de que somos hoje, neste milênio novo, como herdeiros dos movimentos sociais, comportamentais e mesmo políticos do século XX.


Com isto identifica Paulo Coelho as "tribos" que vêm existindo em várias épocas da história do homem. Os "hippies" foram uma tribo poderosa, a de agora é a "tribo do piercing". Em festas e encontros em Paris, Genebra e outros pontos da Europa, lá estão os jovens com piercings e um deles se explica: "Usamos piercing porque somos os novos bárbaros invadindo Roma; como ninguém usa uniforme, algo precisa identificar quem pertence às tribos de invasão."


A tribo é tanto de jovens pobres como de jovens ricos e está em todos os lugares de Paris e da Espanha, visitando a Torre Eiffel, percorrendo o Caminho de Santiago. As reuniões de hoje, descritas pelo romancista, se parecem com as reuniões hippies da segunda metade do século passado, agora sem as justificativas de contestação que eram comuns naquela época.


Paulo Coelho coloca seus personagens nos limites de uma explosão, de um salto para além de tudo, ao mesmo tempo em que mostra que as raízes de qualquer conflito se acham dentro de cada um. O amor se desenvolve, chega a um ponto em que os amantes não mais aguentam o excesso de tensão nele contido e é nesta fronteira de incompreensão que o romancista insere os homens e mulheres de sua história, mas sempre num contexto de regresso, de volta, sempre de busca, de recherche, na certeza de que tudo mora no íntimo de cada pessoa. Paulo Coelho faz pousar o drama onde ele já está.


Nos encontros e desencontros das histórias que se cruzam em "O Zahir", aparece uma geração que pouco tem a ver com as descrições de livros do século passado, como se tivéssemos alcançado realmente um novo patamar que, sendo real, passa também agora a ser matéria de livro. O inconformismo revelado neste romance de um dos autores mais lidos de nosso tempo revela formas novas, de que talvez não tenhamos tomado ainda inteira consciência.


Pode-se dizer que a obra de Paulo Coelho restaura a presença literária de uma espiritualidade que parecia estar em vias de extinção, mas que, na ótica de um escritor de tendência mística, pode sugerir planos possivelmente superiores ao simples desaparecimento físico do corpo.


O estilo de Paulo Coelho é direto e severo. Não usa circunlóquios nem desconversas nas descrições de suas cenas e de sua gente. Seu artesanato se dirige diretamente ao âmago da narrativa, nela colocando exclusivamente o que sabe vai interessar ao seu desenvolvimento, sem se deter em veredas vocabulares que possam satisfazer apenas ao desejo de diversão de cada leitor. No fundo, também a angústia de um tempo está, inteira e clara, nos encontros de jovens e velhos que discutem o vazio do momento e a dura inevitabilidade do fim.


"O Zahir", de Paulo Coelho, é um lançamento da Editora Rocco. Fotos de capa de Romilly Lockier/Images. Livro impresso em papel Chamois Fine Dunas 70g/m², da Ripasa S/A, fabricado em harmonia com o meio ambiente. CIP-Brasil. Catalogação na fonte. Sindicato Nacional de Editores de Livros, RJ.


 


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 19/04/2005

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), 19/04/2005