Um dos pontos que tornam a vida nacional mais obscura é o foro privilegiado de algumas autoridades. Excetuando-se o presidente da República (ou o vice em exercício), qualquer cidadão deve se submeter ao rito comum para os cidadãos comuns. Para isso, existe a Justiça hierarquizada em diversas etapas processuais, cuja cúpula é o Supremo Tribunal Federal.
Eliminar os estágios naturais do aparelho judiciário abre uma exceção que, para início de conversa, leva à suspeição de tramóia, armação ou casuísmo. Elementar, meu caro Meirelles e caríssimo presidente Lula.
O repentino status com que o governo pretende livrar o presidente do Banco Central de problemas fiscais caiu mal, tanto para Meirelles como para Lula. Abrir um pique, um guarda-chuva protetor para o funcionário em litígio com a Receita Federal, prejudica, no fundo, o próprio Meirelles. Se ele afirma e prova que tudo está bem com suas contas, não precisa de foro privilegiado para se eximir de qualquer acusação que, espero sinceramente, ele venha a conseguir, para o bem dele, do governo e de todos nós.
Em outra escala, e em dimensão bem maior e antiga, temos o caso de Paulo Maluf, que anda às voltas com pesadas acusações de remessas ilegais e contas no exterior. A confusão é geral nesse particular, documentos tidos e havidos como verdadeiros indicam desvios de dólares, movimentação de firmas em paraísos fiscais, o diabo, mas nada se comprova de fato, com Maluf negando tudo, declarando em cartório que quem provar, mas provar mesmo, que ele tem esse dinheiro todo, pode ficar com ele, quer dizer, com o dinheiro, não com Maluf.
Onde ficamos? Maluf está, no momento, sem foro especial. Meirelles, graças ao governo, terá o tapete vermelho que se estende para os ministros, que, afinal, são funcionários pagos pela nação e que devem servir a nação como qualquer outro cidadão investido de cargo público, por carreira e comissão.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) 31/08/2004