Os periodistas da minha geração, bem como os políticos de épocas passadas, lembram-se que Juscelino, a simpatia em pessoa, fechou carranca, que não era de seu hábito, contra o FMI, e rompeu relações com essa instituição, criada por Lord Keynes, em 1944, para enfrentar, com o apoio financeiro dos Estados Unidos, a catástrofe da guerra, que terminaria logo depois. Evidentemente, as esquerdas da época aplaudiram o risonho Juscelino mas o Brasil, pouco tempo depois, reatava relações com o FMI, e viveram muito bem até há pouco.
Agora, diga-se como no interior, as coisas mudaram, e Lula sente-se suficientemente forte para renunciar a qualquer relação com o FMI, ao qual, segundo o título de um dos jornais de grande circulação, vota o maior desprezo.
Lula considera que o Brasil está rompendo a casa dos 5% de crescimento do PIB e que o Brasil, em breve, será atraído para a órbita dos grandes deste mundo, os G-8, os países mais ricos da terra.
Em desafio por uma aposta. Preferimos ficar na hipótese de desafio, pois o presidente Lula não tem conhecimento das complicadas relações entre os países e o FMI, e pode encontrar em seu caminho uma armadilha da qual será difícil safar-se. Como o presidente está demonstrando, ele parte para o desafio.
Lula lembra, neste momento e em face do FMI, ao qual vai desafiar ou já está desafiando - lembra, é bom insistir - o sábio padre Antonio Vieira, que dizia: "Nada justifica mais as atitudes do que o subir e o descer na vida, evidentemente". O subir sobe, também, à cabeça, é inebriante, e o descer é como um purgativo, rebaixando o ser humano. Lula está entrando cada vez mais, pelo que se observa, na área do orgulho, na fase de quem se crê o líder mundial dos emergentes, o líder de um mundo que só tem uma potência a lhe fazer face, os Estados Unidos.
É um defeito típico dos seres humanos, fortalecido pela parte da mídia que elogia a arrecadação, que não poupa palavras para elogiar o antigo torneiro mecânico, bem suscetível de mostrar-se um mosqueteiro, como os de Dumas, do velho estilo dos folhetins.
O Brasil é uma nação que cresce, sem dúvida. Não cresceu durante o tempo dos maus governos, que os tivemos e vários. Mas ainda não é uma potência. Poderia vir a sê-lo e integrar o pequeno circulo dos G-8, que dispõem de exércitos bem equipados, navios de guerra, submarinos, porta-aviões, e por aí vai. Quem acompanha a evolução do Brasil, diante destas considerações, sacadas da realidade, dá razão aos nossos argumentos. Mas a realidade é que temos, ainda, um longo caminho a percorrer e provavelmente o bem humorado presidente da República não tenha tempo para nos ver no pináculo das nações altamente industrializadas.
Dispomos, sem dúvida, dos fatores que destacam uma das outras nações. A França já foi uma potência que deu grandeza a Napoleão, tanta e tão grande que ele ousou invadir a Rússia, contra fatores desfavoráveis, e o que lhe aconteceu foi a derrota, acompanhada das patas de seus cavalos, na retirada oprobriosa da última frustrada tentativa. Foi o grande erro do corso, cuja estrela brilhou tanto que o levou, em 1804, a fundar um império, o império que perderia sua condição em 1815.
Entre as nações e com elas, umas contra outras ou a favor. A história está cheia de exemplos. O nosso seria um dos milhares. Daí, a necessidade de prudência pelo presidente, hoje com a estrela luminosa.
Voltemos ao FMI, órgão criado por Lord Kleynes: não é nenhum bicho papão. O Brasil lhe deve, moral e financeiramente muito. Deve tratá-lo como amigo, embora, como dizia Gilberto Amado, as nações não têm amigos, mas interesses. O FMI, no entanto, tem querido ser amigo do Brasil, como de outras nações. Cultivemos a amizade e tiremos dela o proveito que é, de resto, exatamente o que a instituição de ajuda financeira quer de nós.
Diário do Comércio (São Paulo) 03/03/2005