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Começando a gostar

 

Não devo causar surpresa ao afirmar que estou começando a gostar do Severino. Fiz parte da turbamulta que esculhambou a sua eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, os métodos que usou e até mesmo alguns lances de seu passado reacionário.


Na verdade, ele nada fez ainda de importante a não ser dar seguimento à principal promessa de sua campanha eleitoral para ocupar o terceiro cargo mais importante da República. Mas estou gostando cada vez mais de seu visual meio espinafrado, bem brasileiro ou, como diria Manuel Bandeira, "tão Brasil".


A foto de seu umbigo, revelado pela camisa amarfanhada e insuficiente para cobrir a extensão de sua barriga, foi comovente. Vale como logotipo de uma era. Um homem com mais de 70 anos que não tem medo de exibir a primeira e inarredável cicatriz que ganhamos da vida merece reflexão. Concorrer com o umbigo das atuais deusas das passarelas é façanha que não é para qualquer um.


Na segunda-feira desta semana, os jornais publicaram a sua foto na Festa do Trigo, ao lado do José Alencar. A diferença do visual é extraordinária. O vice-presidente, com a cara que Deus lhe deu, cara honesta, mas amarrada, cumprindo um dever de ofício. A cara do Severino dava a impressão de que ele é que plantara todo o trigo do Brasil, que ainda não é muito nem bastante para a nossa fome. Não parecia uma autoridade, mas um homem do povo, que exibia não um símbolo, mas uma mensagem.


Quem vê cara, diz o ditado, não vê coração. No caso do Severino, coração e cara parecem a mesma coisa. Ele diz o que pensa e age como pensa. Não dá bola para a turbamulta citada lá em cima. Parece que conhece os homens no que os homens têm de pior -e isso não é demérito, pelo contrário, é virtude que pode levá-lo a grandes feitos, cuja primeira mostra foi exatamente derrotar o governo, que se jogou inteiro na disputa, usando métodos diferentes na aparência, mas idênticos na substância.


 


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 03/03/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 03/03/2005