Se não bastassem as dúvidas que temos, sobretudo em tempos incertos como os de agora, dias desses encarei uma questão que nem sabia que era questão, nunca pensara nela e não podia acreditar que houvesse alguém neste mundo de Deus que se preocupasse com isso.
Foi feita em forma de pergunta a mim dirigida: o presidente Lula não deveria ser proibido de falar de improviso? Caso recente criou problema sério para ele, obrigando-o a admitir que fizera um discurso "atravessado" Se estivesse lendo um texto especialmente escrito para ele e para determinada situação, dificilmente haveria pronunciamentos atravessados, e algumas crises seriam evitadas.
Quiseram saber a minha opinião e, mais uma vez, fui contra a maré e o bom senso. Prefiro o presidente improvisando, dizendo o que pensa e como pensa. Entre mortos e feridos, a cada fala espontânea ressurge o líder operário, o líder popular, dizendo muita besteira no varejo, mas geralmente acertando no atacado. Percebe-se que é um homem que está falando, um homem sofrido e vivido. Se comete erros, são erros de circunstância e de informação, não de essência.
Quando lê textos escritos por seus assessores, a primeira impressão que dá é a de que não sabe o que está lendo. Esforça-se para pronunciar bem as palavras, destacar as frases, dar conta do recado e do protocolo. É fácil perceber que, durante a leitura, seu pensamento e sua vontade estão longe dali. Se receber um aparte inesperado, não saberá responder. Em trechos mais técnicos, é fácil ler em seus olhos e na empostação de sua voz a pergunta que ele próprio faz a si próprio: "Que diabo será isso?".
Nos improvisos, temos o homem tal como ele é, com algumas tiradas geniais, outras nem tanto. Nem sempre pode ser sincero, mas se esforça para isso. Apesar de criar casos aqui e ali, creio que o saldo lhe é favorável.
Folha de São Paulo (São Paulo) 09/03/2005