A polarização entre o PT e o PSDB, indicada pelas eleições do último domingo, desmente o princípio básico da democracia, ou seja, que o poder emana do povo. A expressão da vontade popular, que elege seus dirigentes mais próximos, deveria estabelecer a cadeia do mando público a partir dos vereadores e prefeitos, uma vez que, antes de habitar um país ou um Estado, todos habitamos uma cidade.
A explicação é simples. O PT é o partido que está no poder, e o PSDB dominou o governo federal durante os oitos anos imediatamente anteriores. Foram e são os donos da bola e, juntos, formam o escalão vencedor desta consulta ao eleitorado.
O movimento, portanto, não veio de cima para baixo, da cúpula para a base. É uma demonstração de que a máquina é decisiva para determinar a vontade do eleitorado, massa de manobra, mesmo contra a própria vontade, na hora de escolher aqueles que devem chegar ao poder.
Em países como os Estados Unidos, o bipartidarismo é, na realidade, institucional, não serve como exemplo. O Brasil do tempo imperial também adotava uma variante do bipartidarismo, na clássica divisão entre liberais e conservadores. Mas, na fase republicana, a tradição fixou-se além de dois partidos e, na primeira redemocratização que tivemos, após o Estado Novo, tivemos três partidos na linha de frente, o PSD, centro, a UDN, direita, e o PTB, esquerda. Bem ou mal, os três expressavam o espectro político da nação.
A supremacia eleitoral dos dois últimos partidos que ocuparam o poder, fruto do exercício da máquina administrativa, pode mostrar uma tendência do país em se fixar numa posição de centro-esquerda. Acredito que seja um cenário ainda artificial. O PT que está no governo pouco se difere do PSDB que atrelou o Brasil ao neoliberalismo, ao pensamento único do Consenso de Washington e, tirando os noves fora, ao FMI. Muito mais à direita do que ao centro.
Folha de São Paulo (São Paulo) 07/10/2004