Não sou Paulo Maluf, nem paulista, nem paulistano. Mas gostaria de ser, pelo menos até a véspera do segundo turno, quando se conhecerá o prefeito da capital. Poucos seres humanos, ao longo da história, estarão vivendo um estado de graça absoluto como ele.
Meses antes, logo que seu nome apareceu bem colocado nas pesquisas, ele tomou fogo de todos os lados e de todos os calibres. Velhas e novas acusações, provas provadíssimas de desvio do dinheiro público, pedidos de extradição de governos estrangeiros. Nem Al Capone, em toda a sua glória, conseguiu reunir tanta e tamanha lista de falcatruas pessoais e públicas.
Numa primeira fase, a onda contra ele diminuiu à medida que seu nome começou a cair nas pesquisas. E agora, pelo menos até a decisão final do segundo turno, ele passeará pelo mundo com aquela auréola que a tradição cristã coloca sobre a cabeça dos santos.
Políticos e jornalistas que espumavam de cívica indignação quando se falava nele, ou quando ele próprio falava de si mesmo, por alguns dias ficarão, na pior das hipóteses, mudos. Mas haverá alguns, justamente os mais interessados, que engolirão a cólera habitual quando o assunto é Maluf e passarão a disputá-lo, atirando-lhe incenso, ouro e mirra e estendendo-lhe o inevitável tapete vermelho para suavizar e ornamentar os seus caminhos.
Tem mais. Durante esse breve espaço de tempo, eu, se fosse o Maluf, trataria de fazer tudo o que lhe atribuem. Degolaria criancinhas, estupraria freiras, profanaria cemitérios, roubaria os vasos sagrados dos templos, soltaria as cobras do Butantan, que invadiriam a capital e, de quebra, o ABC.
Bem verdade que não sou Paulo Maluf. Passado este momento de glória, eu não me meteria em outra. Curtiria até o fim de meus dias a condição de vestal, a glória de um varão de Plutarco.
Folha de São Paulo (São Paulo) 12/10/2004