Sempre que lhe perguntavam o que queria ser quando crescesse, Fernando Sabino respondia: "Quero ser criança". Uma boa resposta, que ele não conseguiu realizar ao longo da vida. Pois nunca deixou de ser um rapaz, um bom rapaz. E, como bom rapaz, foi campeão de natação no Minas Atlético Clube, casou, teve filhos, escreveu livros, tocou bateria, viajou muito, estava sempre pronto para um papo inteligente e divertido.
Aos 32 anos, escreveu um romance que foi o livro de uma geração. Um livro até certo ponto autobiográfico, mas todos se reconheceram naquele Eduardo Marciano de "O Encontro Marcado", publicado em 1956, mas lido e relido até hoje.
E o rapaz não parou no sucesso. Escreveu crônicas que também marcaram um tempo - o dele e o nosso. Curiosa virada de Sabino. No romance, pintou uma panorâmica de sua geração, um painel das angústias e esperanças de todos os rapazes dos anos 50, a que não faltava uma carga de humor que seria a marca de toda a sua obra.
Ao adotar a crônica, na qual logo se tornaria um mestre, ele trocou a panorâmica pelo close, o painel pelo pontual, e não foi à toa que deu à página que escrevia em "Manchete" o título permanente de "A aventura do cotidiano".
Sua dignidade pessoal e profissional isolou-o numa relativa reclusão, evitando o badalo inconseqüente, o deslumbramento pela exposição iluminada da mídia.
Com a sua morte, perdemos um ser humano adorável, alegre, gozador, sério, solidário. Um escritor que ficará para sempre entre os nossos maiores. E eu, de minha parte, perdi o amigo que me telefonava, falando num jato coisas bonitas e gostosas, que me alegravam e edificavam. Uma de minhas glórias foi no dia em que passei pela alfândega e cismaram com minha mala. Um fiscal liberou-me, pensando que eu fosse Fernando Sabino. E comentou para os colegas dele: "Ele é gente boa!".
Folha de São Paulo (São Paulo) 13/10/2004