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Vale de lágrimas

 

O almirante Faria Lima foi o último governador biônico do então Estado da Guanabara. Durante o seu governo, houve a fusão com o Estado do Rio, a maior truculência cometida pelo regime militar contra os cariocas e fluminenses.


Uma onda de crimes naquela ocasião motivou uma série de reportagens que fiz para a "Manchete". Após a primeira delas, que tinha como título "A violência nossa de cada dia", o almirante escreveu uma carta desaforada à direção da empresa. Além de me espinafrar, a mim, a meus ancestrais e descendentes, o governador pediu que não mais lhe enviassem a revista, que não era digna de entrar em sua digna casa de almirante - ele falou em casa, e não em navio, como se devia esperar de um almirante.


De lá para cá, tivemos outros governadores, mais um biônico, que foi Chagas Freitas, e os demais eleitos, inclusive Chagas Feitas, que teve um segundo mandato - não mais como biônico. Todos tiveram seus bons momentos, mas foram arrasados política e eleitoralmente pela violência, que, além de não parar, cresceu cada vez mais.


Milhares de matérias foram e continuarão sendo feitas sobre a criminalidade no Rio, tanto na imprensa doméstica como na internacional. As causas são apontadas, os efeitos, lamentados, e a onda de violência deixou de ser onda, passou a ser o trivial de nosso cotidiano. Gemendo e chorando, como naquela oração dedicada a Nossa Senhora, aos habitantes da cidade só resta mesmo rezar a seus protetores espirituais e reclamar de seus protetores materiais.


O "vale de lágrimas" deixou de ser uma bela metáfora. Não se sabe a quem são dirigidos os cartazes que começam a ser espalhados pelas casas e carros, pedindo um "basta" à violência. Em princípio, o apelo seria às autoridades, mas elas são as primeiras a pedirem a mesma coisa, tentando sem sucesso dar um basta a tantos crimes.




Folha de São Paulo (São Paulo) 21/10/2004

Folha de São Paulo (São Paulo), 21/10/2004