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Precisa-se de um milagre na educação

 

O MEC, ao longo da história, sofreu todo tipo de influência. Quando era moda apresentar soluções de direita ou de esquerda, divertimo-nos bastante com idéias até generosas, mas que não entraram no domínio objetivo da prática.


Querem um exemplo? Vamos acabar com o analfabetismo até o ano tal. Entramos noutro século, as promessas ficaram na saudade, e hoje ainda temos cerca de 14 milhões de iletrados, fora os milhões que somente sabem assinar mal e porcamente o nome, para alegria de alguns políticos do interior. São os coronéis da ignorância.


A questão dos recursos para a educação ficou como utopia.


“Só se pode gastar (e não investir) no ensino superior 50% do orçamento do MEC.” Anos se passaram e esse percentual dançou de 65% para 63%, depois 60%, e agora a reforma proposta para o ensino superior pretende que suba para 75%, desprezando a função supletiva do ministério, no apoio aos sistemas estaduais e municipais.


É curioso: devido a posturas da Constituição de 88 (que o então presidente José Sarney afirmou que tornaria o país ingovernável), criou-se uma utopia de que os estados e os municípios ficaram ricos de uma hora para outra. Não precisamos mais da ajuda federal, o que é dos grandes equívocos cometidos pelo comando neoliberal da nossa educação, refletido nos oito anos de governo FHC.


Se a educação infantil e a educação básica (fundamental + média) são atendidas de forma precaríssima pelo poder público, em geral, que lógica macabra leva as autoridades a essa política de “proteção” ao ensino superior? Fica claro o desejo de criar todos os embaraços à colaboração privada, prevista na Carta Magna.


Estamos vivendo uma época difícil, no estabelecimento de prioridades. Sabe-se que a ação oficial na educação infantil (“é de menino que se torce o pepino”) é pífia. Em termos de Brasil, enfrentamos o brutal fenômeno da desnutrição de forma precária. A participação do MEC é quase nula e os sistemas municipais e estaduais fazem o que podem, ou seja, quase nada.


Os educadores sabem que o cérebro atinge o tamanho normal até os 5 anos de idade. Por isso, a criança precisa ser bem alimentada nos primeiros anos de vida. Isso acontece? Onde? No Norte, no Nordeste, nos grotões pobres de outras regiões? A merenda é precária, mal distribuída, não atinge o período de férias, o que leva as crianças a voltar às aulas, em geral, com menos 2kg de peso. Isso não é quase criminoso?


Começar mal um processo que deverá ter, no mínimo, 11 anos é trabalhar contra o nosso futuro, com a prevalência do escapismo oficial. Devemos reformar tudo, na educação brasileira. Isso não se resolve com leis demagógicas ou o exercício acadêmico sem profundidade.


As verbas devem atender, prioritariamente, àquilo que mais necessitamos. Cadê o apoio à melhor formação e ao aperfeiçoamento do magistério? O pensamento sobre a educação à distância é tímido, como se tivéssemos vergonha - o país com este tamanho - de caminhar no mesmo sentido das nações pós-industrializadas.


Não é verdade que o ensino fundamental tenha sido universalizado. A mídia aceitou essa propaganda sem fazer as verificações devidas. E nem uma palavra sobre a péssima qualidade do que foi ministrado, sob orientação oficial, com livros discutíveis e mal distribuídos. Assim, não há santo que dê jeito.


A metade que estuda em escolas públicas, no ensino médio, está mal preparada e vai enfrentar dificuldades óbvias quando chegar ao ensino superior. De que adianta facilitar o acesso à universidade, mesmo pública, se o problema é de base? Não há como corrigir o que nasceu torto, apesar dos esforços das nossas atuais autoridades. Elas podem facilitar o acesso via cotas, mas não acreditamos que sejam capazes de fazer milagres. Agredir a Constituição ou desprezar a LDB (lei n 9.394/96) não nos parece a melhor idéia. Por isso, concordamos plenamente com o estudo feito pelo jurista Célio Borja. Em matéria de inconstitucionalidade, o anteprojeto é um prato cheio.


 


O Globo (Rio de Janeiro) 15/03/2005

O Globo (Rio de Janeiro), 15/03/2005