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Castro Alves, nós e a poesia

 

Não é de hoje que se registra que o poeta é um pastor de almas. Por que não se pode afirmar o mesmo do professor? Só que este tem uma ação sistemática sobre o seu público cativo, que são os alunos, enquanto os vates operam de acordo com a sua inspiração - e para um público difuso, embora cada vez mais numeroso.


O que nos levou a criar o Projeto de Incentivo à Leitura (PIL), no ano passado, em colaboração com a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, foi a sensação de que precisamos estimular, no espírito dos jovens, o gosto pela leitura, seja ela em prosa ou em verso.


Em 2003, o tema era o livro. Agora é a vez da poesia, que mexe tanto com os sentimentos do povo brasileiro. Tivemos e temos muitos poetas de nível internacional.


Em Castro Alves, por exemplo, os poemas mais fortes, muitas vezes herméticos, transmitem beleza e mistério, deixando no espírito do leitor estudioso a dúvida em relação à sua profundidade, à sua causa primeira e à sua amplitude.


O que, realmente, tocava a alma do poeta, por exemplo, no trecho de uma de suas poesias mais inspiradas, intitulada No meeting du Comité du Pain? ''Não deixemos, Hebreus, que a destra dos tiranos/ Manche a arca ideal de nossas ilusões./ A herança do suor, vertido há dois mil anos,/ Há de chegar intacta às novas gerações./ Nós que somos a raça eleita do futuro,/ O filho que Deus amou, qual Benjamin...'' Em cada um dos versos, à exceção do quarto, Castro Alves relembra a história judaica.


Em Os escravos, o poema Século compara a mocidade a ''Moisés no Sinai''. O que reivindicava Castro Alves em seus poemas? Terá sido, ele também, um assumido cristão novo? Que interpretação final devemos dar, nos dias de hoje, a Vozes d'África? Logo na primeira estrofe, o poeta diz: ''Há dois mil anos te mandei meu grito.'' Que grito terá sido? Na geografia abstrata do lirismo, por onde terão voado as asas do Condor?


Resposta precisa não existe. Ditá-la, seria transformar a arte do verso numa ciência exata, com o que definitivamente não concordam os estudiosos. Lêdo Ivo aponta como defeitos de Castro Alves as negligências e limitações, ''que só os poetas manifestamente geniais têm o direito e até o dever de ostentar''.


Antônio Frederico de Castro Alves nasceu na fazenda das Cabaceiras, no interior da Bahia, no dia 14 de março de 1847, e ali viveu até os 7 anos. Junto aos pais e a sua ama-de-leite, Leopoldina, ouviu as primeiras histórias sobre os horrores da escravidão. Segundo um de seus biógrafos, Waldemar Matos, este lugar deixou sulcos inapagáveis na alma do poeta, que viria a ser o consagrado cantor dos escravos.


Desde cedo, foi despertada a vocação poética de Castro Alves. No dia 3 de julho de 1861, ainda no ginásio, com 14 anos, o poeta declamou a sua primeira poesia, na festa de comemoração da liberdade da terra baiana. Já se prenunciava a sua genialidade: ''Se o índio, o negro, o africano,/ E mesmo o perito hispano/ têm sofrido servidão;/ Ah! Não pode ser escravo/ Quem nasceu no solo bravo/Da brasileira região!''


Felizmente, em nosso país, já há uma consciência favorável ao hábito de leitura, expressão que prefiro ver substituída por outra bem mais simpática: gosto pela leitura. Com a aprovação da Lei nº 5.692/71, que reformou o ensino de primeiro e segundo graus, os professores brasileiros passaram a dar tratamento preferencial às propostas de leitura em classe. Hoje é comum, mesmo em escolas públicas, sempre mais modestas, a recomendação para que os alunos leiam determinados livros, em geral de autores brasileiros, para que depois discutam em sala de aula com colegas e mestres. É uma atividade altamente enriquecedora.


Entretanto, temos, ainda, um baixo índice de leitura em nosso país (menos de dois livros por habitante). O que fazer para que nossos alunos leiam mais? A resposta não é tão simples. O livro precisa ser colocado à disposição do jovem leitor, a fim de que ele penetre na história, interagindo como co-autor. Para que essa interação se faça de modo efetivo, alunos e professores devem participar ativamente da seleção do material, a fim de que ele responda às suas indagações.


Exemplo: se o tema de uma sexta ou sétima série for corrupção na vida pública, o que existe disponível em termos de literatura infanto-juvenil para que seja lido em classe? No caso, escrevemos duas sátiras políticas que se prestariam a um trabalho dessa natureza (A Constituinte da Nova Floresta e A República das Saúvas).


Os professores podem, discretamente, variar a oferta literária, entendendo que a literatura não é língua somente. A leitura da obra literária, luxuosa ou não, é o ponto de partida ou regra de ouro do ensino de letras, que lidará com gêneros ou tipos conhecidos desde Aristóteles. Assim são criados os fundamentos literários para trabalhar o lirismo, a narrativa (conto, romance, epopéia etc.) e outros tipos, como as memórias, o diário, a máxima. Identificar o gênero é um primeiro e fundamental exercício, a que se deve somar o exame da estrutura da narrativa: enredo, personagem, tempo, ordem do relato, suspense, apresentação e desfecho.


Vale a pena conhecer esses pormenores, para que se estimule o jovem brasileiro a ler e escrever mais e melhor.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 27/10/2004

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 27/10/2004