"Quero ver sangue!" Num filme dos anos 60, há uma luta de boxe e um dos assistentes, mamando um charuto apagado, dá esse grito em direção ao ringue. Não sei se foi para fazer a vontade do cara, um dos pugilistas de repente começa a sangrar no rosto. Com aquela luva que parece uma pata com elefantíase, o desgraçado tira o sangue dos olhos. Logo recebe outro soco e cai. O juiz conta até dez, levanta o braço do vencedor, a platéia urra de gozo.
Bem, a diferença entre uma luta de boxe e uma briga de galos é evidente: o pugilista entra no ringue porque quer e, vencendo ou perdendo, para ganhar dinheiro. O galo não é consultado, e quem ganha dinheiro não é ele. Quem ganha é o dono e o apostador.
Mas a violência é a mesma. Bem ou mal, ver o sangue espirrar é um espetáculo que tem consumidores. E não apenas no esporte e na guerra. No dia-a-dia do jornalismo, quando aparece um assunto que causa estupor nos leitores, não basta o relato isento e profissional do caso. Há sempre um grito que vem da platéia: "Quero ver sangue!".
Criticar Bush ou Cachoeira, condenando suas atitudes e práticas, é pouco. Provar que eles não merecem o nosso respeito é insuficiente. É preciso sangrá-los, dar para beber a alguns leitores o sangue dos vilões, sejam eles permanentes ou eventuais, autênticos ou equivocados.
De minha parte, não vejo muita diferença entre vilão e herói. Não aprecio Bush nem estou muito a par do malefício que Cachoeira anda fazendo por aí. Dou de barato que estão longe de serem flores que se cheire.
Aprendi nos filmes de faroeste que o vilão é o herói do outro lado. E, como desconfio dos lados, nunca sei exatamente quem é quem. Já me surpreendi torcendo pelo bandido, achando que o mocinho é um chato. Mas quando o sangue espirra, não dou razão nem a um nem a outro. E, geralmente, sinto-me com vergonha por ter torcido errado.
Folha de São Paulo (São Paulo) 01/11/2004