Argemiro Ferreira acompanhou quatro eleições presidenciais nos Estados Unidos e, pouco antes do último pleito, publicou um livro, "O Império Contra-ataca" (Paz e Terra), analisando o cenário político e social daquilo que alguns comentaristas chamam de "nosso irmão do Norte".
Não tinha nem pretendia ter bola de cristal. Sua análise do país que resultou do 11 de Setembro me parece a mais lúcida das muitas que li por aí. Dois meses antes da eleição, Argemiro disseca a estranha (ou lógica) união dos neocons com os teocons -e não deu outra na eleição da última terça-feira.
Da mesma forma que no passado houve uma "new left", que, entre outras coisas, chorou o leite derramado da Guerra do Vietnã, a nova direita armou-se em torno de valores pragmáticos: "Se temos o maior arsenal da história, por que aturamos aqueles que nos contestam?".
Argemiro analisa com isenção o fundamentalismo que se alastra na sociedade norte-americana. Ele não se acomoda na simplificação que continua sendo feita por aí: Bush seria o candidato dos brancos e ricos; Kerry das minorias, principalmente dos negros. O buraco é mais em cima.
No fundo, seria mais uma luta do Bem contra o Mal, que vem de longe e não precisa de Bush nem de Kerry para viver mais um episódio. O projeto de dominação mundial de Bush não é pessoal: seus métodos, sim, suas idéias, sim, mas um Bush não nasce de geração espontânea. Argemiro detalha a gestação do contra-ataque neoconservador e neoteocrático. Não interfere com o seu gosto pessoal, nem reduz o pleito de 2 de novembro a uma luta de brancos contra negros, de pobres contra ricos, dicotomia que está sendo veiculada para explicar o resultado que nos traumatizou.
Aprendemos duas lições no livro dele: não adianta concluir que o povo não sabe votar. Justamente por isso a vitória dos neoconservadores teocráticos passa por cima e além de George W. Bush.
Folha de São Paulo (São Paulo) 06/11/2004