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Os chapéus e a fome

 

Dentre os muitos chapéus, bonés, gorros, casquetes, capacetes e cocares que Lula tem posto na cabeça, o que lhe caiu melhor, com mais naturalidade e com maior significado, foi o chapéu branco com fita azul da Velha Guarda da Portela, por ocasião da reunião do Grupo do Rio.


Ficou elegante e, para usar uma expressão cretina, "inserido no contexto". Evitou sambar, como o ministro Celso Amorim, que deu um show de virtuosismo, mostrando que, algum dia, nas folgas do Instituto Rio Branco, onde se formou diplomata, freqüentava gafieiras com estilo e com fidalguia.


Palmas também para Hugo Chávez, que fez esbofante cooper em Copacabana, mandou brasa em seus desafetos e examinou com olhar cúpido as passistas que dele se aproximaram. Foi o mais badalado dos chefes de Estado que nos visitaram.


O mexicano Vicente Fox, do alto de seus muitos metros de altura, portou-se discretamente e evitou cantar "La Cucaracha" - talvez tenha cantado "Granada" por aí, mas não em público.


Voltemos a Lula. Como não sou do PT nem de partido algum, cometo a audácia de aconselhar a ele o uso do mesmo chapéu portelense em suas andanças internacionais. Fica-lhe melhor do que as idéias de acabar com a fome no mundo. Tal como o chapéu, o Fome Zero é um penduricalho simpático, ouvido com devoção por quem quer que seja, mas sem ser levado a sério.


Populista por populista, o chapéu da Portela fala por si mesmo. Fala de um homem simples e bom, saído do povo, que continua povo. Projetos como o Fome Zero e o Bolsa-Família, que ele procura espalhar aqui e lá fora, são realmente populistas, para não dizer demagógicos.


Boas intenções à parte, não são matéria de governo, cuja obrigação é criar condições para que não haja fome no mundo. Projetos assistenciais, cobertores e vacinas para os desabrigados das enchentes não resolvem o problema.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 08/11/2004

Folha de São Paulo (São Paulo), 08/11/2004