Caíram em cima do Severino porque deu aquilo que os colunistas políticos e assemelhados classificaram de "ultimato" ao presidente da República, a propósito da reforma ministerial que todos queriam, menos o próprio Lula.
Evidente que ele prestou um imenso, um inesperado benefício aos nossos costumes. Violentou a regra de ouro da tradição que predomina na luta política: abriu o jogo, disse abertamente o que queria, revelou seu preço. Fez tudo, enfim, o que todos de alguma forma fazem, mas veladamente, por baixo do pano e por cima de um palavrório que, este sim, mascara ou esconde o interesse pessoal na pílula dourada do bem público.
Pena que só haja um Severino no alto escalão da vida nacional. Quando se fala em sanear as instituições, em dar transparência às ações do poder, aparece afinal alguém "transparente", através do qual todos ficamos sabendo o que já sabíamos mas fazíamos de conta que não sabíamos.
Seria bom que Severino continuasse assim, escancarando para a nação a realidade que aprova ou desaprova pleitos, cargos, verbas, a logística da vida pública em sua crueza. Em todo o episódio, quem mais ficou furioso com o "ultimato" do Severino não foram o presidente, os candidatos ao ministério -nenhum deles tinha a certeza de que era mesmo candidato. Melado o jogo, todos continuaram onde estavam, potencialmente fortalecidos para nova rodada.
Mais indignados ficaram os entendidos nos fastos políticos. Todos participam do faz-de-conta que prevalece nos bastidores. Pior: dos bastidores é que eles vivem e progridem, cada qual procurando saber mais e melhor do "in", dos intestinos do poder.
Severino mostrou que eles estavam "off". Nenhum deles poderia imaginar um lance de tal transparência. Mais dois Severinos, e os cronistas especializados poderão se dedicar ao turfe, onde cada cavalo é transparente como o Severino, querendo ganhar cada páreo.
Folha de São Paulo (São Paulo) 28/03/2005