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Os devalidos da sorte

 

Estamos diante da expectativa de criação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), em substituição ao Fundef. A emenda constitucional nem chegou ainda ao Congresso Nacional, para ser discutida e aprovada.

Aliás, como é hábito nos temas que dependem do MEC. A sua burocracia é lenta e nem sempre das mais eficientes. Recorde-se o que houve, no governo passado, com tramitação do Plano Nacional de Educação. Chegou ao Congresso depois do prazo vencido. Um belo exemplo de prioridade às avessas.


Enquanto os números são debatidos, também não apareceu nenhuma solução criativa e reparadora para a triste situação de desapreço em que se encontra o quadro do magistério brasileiro, desestimulado por salários que só competem com o que se paga na África.


Também não atinamos com essa desídia, que custa caro à nossa educação. Enquanto não se resolve a questão do capital humano, o resto nos deixa a nítida sensação de que não é para valer.


Assinale-se, no caso do novo Fundo, o alto índice de irregularidades ocorridas com o Fundef. Algo em torno de 25% do total de municípios brasileiros. Grande mão-de-obra para o Tribunal de Contas da União, embora com a ressalva de que boa parte do que está havendo se deva mais à ignorância, na operação do Sistema, do que a erros propositais, com o intuito de levar vantagem. É preciso muito cuidado com o dinheiro público, no momento em que se pensa expandir as linhas de crédito. A opinião pública sempre reagirá negativamente se isso continuar a acontecer.


Algumas medidas estão sendo tomadas. O presidente Lula assinou decreto modificando a Lei nº 3.860/2001, que estrutura a educação federal tecnológica. Os 34 Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet) passaram a integrar o sistema federal de ensino superior, com 1 milhão de estudantes.


A nossa rede profissionalizante nasceu em 1909, no Governo Nilo Peçanha, com 19 escolas de aprendizes e artíficies, destinadas aos "pobres e humildes desvalidos da sorte". Sofreu com diversas modificações, a principal das quais, em 1937, na ditadura Vargas, quando a emenda constitucional da época afirmou que "o ensino técnico será destinado às classes menos favorecidas". Uma brutal discriminação, com efeitos negativos sentidos até hoje. Qual é o pai, sobretudo o de formação precária, que vai desejar para o filho uma educação de segunda classe, nitidamente preconceituosa?


Depois de tentativas frustradas, no governo passado, essas escolas poderão oferecer cursos superiores em tecnologia, especialmente nas zonas rurais, o que irá beneficiar profissões como a da Enfermagem. Técnicos terão a chance de se tornar tecnólogos, em parceria com empresas públicas e privadas. Isto será feito de forma experimental nas Escolas Agrotécnicas Federais. Só uma dúvida nos assalta: e os professores para essas mudanças? Como alcançar um quadro de qualidade, com a escassez vocacional assinalada nos jovens mestres que saem dos cursos de formação de professores e os baixos salários oferecidos? É aqui que se prenuncia o uso adequado da educação à distância, para o atendimento generalizado, mesmo que de modo semipresencial.


Outro aspecto inquietante: dos 7,7 milhões de desempregados no Brasil, cerca de 3,5 milhões têm entre 15 e 24 anos de idade. A taxa de desemprego nessa faixa etária representa quase o dobro da média nacional, que é de 9,4%, de acordo com o IBGE. Conclusão objetiva: a economia precisa crescer, para abrigar os 2,2 milhões de trabalhadores que querem ingressar anualmente no mercado de trabalho.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 22/11/2004

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 22/11/2004