Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Três abraços

Três abraços

 

Gostaria de mandar três abraços afetuosos e especiais. O primeiro ao Carlos Lessa, que acaba de ser demitido porque contestou os rumos do governo para o qual foi convidado. Ele tinha esperanças numa equipe presidida por Lula. Lutou contra a maré, denunciou a traição das promessas feitas durante a última campanha eleitoral. Defendeu os valores que o tornaram um dos intelectuais mais brilhantes do nosso tempo. Foi fritado e demitido.


O segundo é para Celso Furtado. Vai aqui com atraso, ele se foi e deixou-nos sem o companheiro e o guru. Ontem escrevi sobre a morte dele, lembrando sua última lição, publicada no "Jornal do Brasil", que vem abrigando artigos de acadêmicos. Fez um diagnóstico dos nossos problemas, que são os mesmos de todas as nações periféricas, exploradas à exaustão pelos juros que os países ricos, no melhor estilo de "formação de quadrilha", impõem às economias emergentes, impedindo-as de se libertarem do subdesenvolvimento.


O terceiro abraço é para o Ricardo Kotscho, assessor de imprensa do presidente da República, acho que desde a primeira comunhão do Lula. A honestidade pessoal e a coerência profissional de Ricardo tiveram momentos tensos para ele, quando, por exemplo, embora declarando opinião contrária a certos atos do governo, sentiu-se no dever de tentar explicá-los, expressando uma lealdade comovente e desinteressada a seu chefe, companheiro e amigo de longas jornadas.


Lessa, Furtado e Ricardo, três homens que, no atual cenário político e intelectual, mereceriam muito mais do que o abraço de um obscuro cronista. A saída de Lessa e de Ricardo empobrece o governo. Celso Furtado pertencia a todos nós, ao Brasil como nação e povo.


Pouco antes de morrer, recebeu um telefonema de Lula, dando-lhe explicações. Elegante como sempre, Celso aceitou-as. Mesmo assim, ficou mais amargurado.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 23/11/2004

Folha de São Paulo (São Paulo), 23/11/2004