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Data e dados

 

É irrelevante discutir se o movimento militar de 1964 teve início em 31 de março daquele ano ou no dia seguinte, 1º de abril.


Na realidade, o movimento foi um processo reacionário que começou bem antes. Tenho para mim que seu início vem de uma década antes, a 25 de agosto de 1954, logo após o suicídio de Vargas.


O fato é que, por 21 anos, o governo militar comemorava a Redentora na data de 31 de março para evitar confusões com o Dia dos Tolos, também conhecido como o Dia da Mentira. A história deu uma volta por cima e, hoje, não se comemora o golpe militar. É possível que haja uma ou outra ordem do dia em alguns quartéis do país e, como somos um povo religioso, uma ou outra missa encomendada por veteranos que tomaram parte naquela quartelada. Além dos saudosistas, que sempre os há.


E são esses saudosistas que preocupam. Numa primeira fase, imediatamente após a redemocratização, feita a duras penas, o número de nostálgicos da ditadura parecia diminuir de ano a ano. Fica difícil estabelecer o momento exato em que, subliminarmente, sem relevantes sinais exteriores, a roda do tempo começou a girar e, hoje, embora insignificante, engrosse um ainda subterrâneo veio de descontentamento pela liturgia democrática tal como a praticamos.


É inútil e pueril culpar este ou aquele governo, esta ou aquela crise dos últimos tempos, em que as instituições democráticas como um todo (Congresso, partidos políticos, tribunais livres, mídia sem censura) pareciam inúteis ou até mesmo prejudiciais ao progresso do país e ao bem-estar da sociedade.


O desencanto existe, negá-lo seria pior do que um erro, seria uma tolice. Até que ponto crescerá, criando ilhas de descontentamento aqui e ali, é uma questão em aberto. Em parte, esse desencanto é próprio da sociedade, que sempre quer mais, nunca se considera no ponto ideal. Mas em parte é adubado por sucessivas e dispensáveis desilusões.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 31/03/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 31/03/2005