Sempre acreditei que o Cristo Redentor fosse tombado. Ou nem isso: sempre o considerei coisa nossa, como o Pão de Açúcar, que lhe faz frente, e o Corcovado, que lhe serve de pedestal -o pedestal mais fantástico do mundo.
Parece que só agora vão tombá-lo. Já tombaram tanta porcaria que nem fica bem ao maior símbolo da cidade -e seu principal personagem- ficar ao lado de casas e coisas sem estilo e sem história.
Sempre considerei o Cristo Redentor o maior carioca de todos os tempos. Lá de cima, ele não só abençoa a cidade mas a abraça -e abraça a cada um de nós. Se as coisas andam mal para o Rio, a culpa não é dele. Faz o que pode. Não apenas abraça e abençoa mas lamenta as nossas misérias, abrindo os braços colossais, de espanto e, ao mesmo tempo, em súplica: "Parem com isso!".
É o primeiro a escutar o som dos tamborins do nosso Carnaval, o primeiro a se encharcar com os nossos temporais, o primeiro a sofrer com os nossos apagões. Quando há gol no Maracanã, sem precisar de rádio ou de TV, ele ouve o grito da torcida e, conforme o caso, parece dizer: "Como pode?". Se o gol é a favor, lá está ele, de braços abertos, para o abraço da primeira comemoração.
Quando vejo um quadro, um desenho do Rio antigo, aprecio a beleza de uma cidade bucólica, sem a confusão e a malignidade dos nossos problemas de hoje. Mas sinto logo que falta alguma coisa no cenário. Aquela pedra nua, apontada para o céu, parece esperar pelo último toque que lhe dará, além da monumental audácia da natureza, o toque humano que a completará como pedra e paisagem.
Ao contemplarmos aquele gigante de braços abertos, não pensamos numa expressão confessional, numa religião, embora ele seja o personagem central de uma delas. Olhando para ele, qualquer carioca sabe que chegou em casa.
Folha de São Paulo (São Paulo) 06/02/2005