Em entrevista publicada ontem, o presidente do PT, José Genoino, se esbofa para afirmar que o seu partido "ainda é de esquerda". Parece que a consciência política dos petistas está preocupada com as críticas generalizadas a respeito do que andam chamando de "traição" do partido aos ideais que o criaram e o marcaram até a conquista do poder.
A preocupação em "ainda" ser da esquerda me parece démodé. O grande mérito do partido foi justamente abrir, no passado, uma espécie de terceira via que libertasse o eleitorado da defasada dicotomia esquerda-direita. Demonizar a direita enaltecendo a esquerda como depositária do bem e da verdade é tão idiota como satanizar a esquerda e elevar a direita como vestal de uma sociedade organizada e estável.
Evidente que o programa básico do PT era dar condições à classe operária, e por extensão, aos segmentos mais injustiçados do país, no sentido de participar ativamente do debate político, social e econômico de nossa realidade, até então entregue não a partidos, mas a grupos interessados em manter a ordem vigente ou substituí-la por modelos importados -o que seria o caso concreto do Partidão e de suas numerosas dissidências, de seus muitos assemelhados.
Era sobretudo um projeto nacional, centrado na classe operária, desvinculado do clássico discurso da esquerda oficial, que antes de espirrar ou tossir, pedia licença à União Soviética para ser assim ou assado.
O PT lutou e se consagrou por manter uma linha independente, "ainda" que esta independência o levasse a recusar o apoio à candidatura de Tancredo Neves, que era decisivo para sepultar definitivamente o regime militar. Não queria se contaminar com as correntes liberais que afinal enterraram o totalitarismo.
Não era uma opção de esquerda nem de direita. Certa ou errada, era a opção do PT. Opção hoje desfigurada.
Folha de São Paulo (São Paulo) 10/02/2005