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Estamos perto do lingüicídio?

 

Há muitos brasileiros preocupados com o destino da língua portuguesa, ainda hoje inculta e bela. Se há um propósito deliberado de assassinar o português, não se pode garantir que o caminho inexorável seja o nosso improvável lingüicídio. Até porque registram-se reações muito importantes ao aparente descaso com que a matéria é tratada.


Uma primeira e relevante resposta foi dada pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, lançando de imediato o "Projeto de Incentivo à Leitura" (PIL), destinado aos seus milhares de alunos, com o enfoque predominante na poesia, um bom caminho para se amar a língua portuguesa no que talvez ela tenha de melhor.


Em seguida, agiu a Academia Brasileira de Letras, trazendo a lume a quarta edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, agora com 334 mil verbetes. Novas palavras, alguns arcaísmos cortados e uma estrutura mais moderna, chamando a atenção para os verbetes de origem estrangeira. Não devemos abandonar completamente o emprego do que representa a cultura de fora, mas sim evitar os exageros que nos colocam no nível de países mais atrasados. Menos, menos, como dizem os nossos humoristas, com razão própria.


Não existe ainda o Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa, paralisado desde 1990. Falta a aprovação dos parlamentos de nações como Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Guiné-Bissau. Um dia isso ainda irá ocorrer, por uma questão de inteligência,diante do mundo caracterizado pelo uso intensivo do computador.


Se estamos preocupados com o problema da unificação, é interessante considerar que isso talvez se origine em conceitos da história da Torre de Babel, onde se registram expressões que convém recordar:


"Ora, em toda a Terra havia apenas uma só linguagem e uma só maneira de falar."


"Disse o Senhor: eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem."


"Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem do outro."


"Chamou-se-lhe por isso o nome de Babel, porque ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a Terra, e dali os dispersou por toda a superfície."


Com uma população relativamente pequena pôde o Senhor propor essa dispersão. Mas depois que aumentou o número de seres humanos, é claro que o Todo-Poderoso distinguiu cada povo, dando-lhe identidade, o que se mede principalmente pela língua falada e escrita.


Do ponto de vista geopolítico, a língua portuguesa tem a sua unidade e ela deve ser amplamente exercida. Pequenas diferenças, corrigidas pela unificação, podem lhe dar uma força maior ainda, no conjunto das nações. Importante mesmo é a conscientização do povo para a importância da língua portuguesa que precisa ser respeitada sempre.


Esses temas foram tratados na conferência que fiz no Colégio André Maurois, no Rio de Janeiro, sobre a importância da poesia na literatura brasileira. Eram 300 jovens, vindos de outras escolas públicas também, para debater o trabalho de alguns dos nossos maiores poetas. Pude chamar a atenção de alunos e professores para a poesia sentida de Gonçalves Dias, Castro Alves, Vinícius de Moraes, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e até mesmo Machado de Assis, com o seu clássico "Poema a Carolina". Já imaginaram quanta riqueza cultural acumulamos ao longo dos nossos cinco séculos?




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 06/12/2004

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 06/12/2004