Nunca houve eleição para a presidência da Câmara dos Deputados igual a essa. Nunca se viu tanta convulsão, tantas reuniões, cafés da manhã, pressões e fusões, alianças e traições. Guardadas as proporções, nem mesmo uma emocionante sucessão presidencial provoca tamanho vendaval (recuso-me a falar em tsunami, que está em moda). O que tudo isso significa? Para onde leva?
O empenho do governo em emplacar seu candidato seria a chave da questão. Ter um aliado na presidência de uma das casas do Legislativo é, em tese, uma decorrência natural de qualquer governo. Mas a histeria com que o Executivo se lançou na atual campanha não deixa de ser suspeita.
Se o governo tivesse, para os dois anos que lhe restam, um grande plano nacional, uma indispensável meta a atingir, poder-se-ia compreender o grau de envolvimento do Executivo no Legislativo. Contudo a meta prioritária do Planalto é a reeleição do atual presidente da República -vamos e venhamos, um objetivo que passa a léguas de distância da problemática nacional.
Toda comparação claudica, "omnis comparatio claudicat", mas vou lembrar o que houve na Alemanha com o advento de Hitler. Ele tomou o poder legalmente, após a tentativa frustrada do "putsh" de Munique. Democraticamente, manteve em funcionamento o Parlamento, com deputados que lhe eram hostis. Os que não mudaram de lado, logo depois pagariam por essa hostilidade.
Hitler só fez uma exigência: botar Goering, seu principal aliado, na presidência do Legislativo. Até o relógio do plenário o futuro marechal mandou parar a fim de obter a aprovação de um decreto que interessava ao regime. O incêndio do Reichstag, que seria o pretexto para a ditadura que se seguiu, teve inspiração e apoio do presidente da Casa.
Seria repugnante comparar Lula a qualquer ditador de qualquer quilate. Apesar disso, o episódio explica alguma coisa.
Folha de São Paulo (São Paulo) 16/02/2005