Para falar a verdade, ainda não sei se estou louvando ou lamentando a eleição do Severino para a presidência da Câmara dos Deputados e para o terceiro cargo mais importante da República.
O lamento seria pelas circunstâncias que determinaram a sua eleição, o fisiologismo puro e simples, alvar, empurrado pela goela da nação, que está sendo obrigada a engolir um dos maiores sapos de sua história. Na vida pública, só ganha quem pode dar mais, o resto é filigrana, discurso ou história que servem apenas para fazer boi dormir -e aí estão duas metáforas de domínio popular, a do sapo engolido e a do boi dormindo.
Fica difícil encontrar alguma coisa que mereça ser louvada neste episódio. Não seria a derrota do governo em si. Gostando-se ou não da atual equipe que está no poder, nossa obrigação é torcer sempre para que tudo dê certo para ela, no pressuposto de que o bem do país está acima de nossas preferências pessoais.
O mesmo não ocorre com a arrogância do PT, que, estranhamente, não chega a ser recente, vem muito lá de trás, de seus tempos de oposição, quando se considerava a vestal absoluta de nossa realidade política, a Matrona de Éfeso -embora o ABC paulista nada tenha daquela antiga cidade que mereceu uma das melhores cartas do apóstolo Paulo: "Desperta, tu que dormes!" (Efésios, 5;14). A turma que votou em Severino teve a mesmíssima motivação da turma que obedeceu aos planos de reeleição de Lula -meta maior e praticamente única do PT em sua atual fase. Citei duas expressões populares lá em cima, a do sapo e a do boi. Citarei uma terceira: Mateus, primeiro os teus.
Os dois candidatos que foram para o segundo turno, um deles patrocinado pelo alto clero, o outro, pelo baixo clero, queriam a mesma coisa, na base de que mais vale um pássaro na mão do que dois voando. E aí vai um quarto e último ditado popular.
Folha de São Paulo (São Paulo) 19/02/2005