Duas semanas atrás, com retumbante espaço na mídia, dom Paulo Evaristo Arns falou sobre a necessidade de João Paulo 2º renunciar ao papado. Apesar do estardalhaço que acompanhou suas declarações, parece que o papa não tomou conhecimento de seu apelo.
Em qualquer caso, só há dois tipos de renúncia: a de foro íntimo, na qual nenhum peru de fora deve se manifestar; e a da conspiração, que nada mais é do que a expressão de um golpe político -para o bem ou para o mal, não importa.
Como cardeal da Santa Madre, o atual arcebispo emérito de São Paulo deve saber que a igreja não é uma novela das 8, que, quando começa a ver baixarem os níveis de audiência, muda autor, trama, cenário, iluminação e marketing para reconquistar os pontinhos perdidos. A igreja não tem pressa nem está orientada para dar ibope.
Como cardeal, Sua Eminência sabe que a igreja de hoje tem uma cabeça formada e mantida pelo papa atual, suas condições de saúde em absoluto afetaram ou afetam as linhas que, certas ou erradas, ele imprimiu a seu pontificado. E que deverão prevalecer até o momento em que Deus, segundo o próprio João Paulo 2º, não o quiser mais aqui. Até lá, sobra para dom Paulo Evaristo e para outros apressados duas únicas opções: aguardar a vontade divina, que rege a igreja desde a sua fundação, ou abrir um cisma, considerando o atual Sumo Pontífice defasado e prejudicial ao povo de Deus.
Em princípio, nada há de mal em abrirem-se dissidências no seio de qualquer corporação. O próprio Cristo abriu um cisma no judaísmo da época, criando o que se chamou de cristianismo. Séculos depois, Lutero abriu outro cisma -certa ou errada, a Reforma tem um lugar garantido na história e gerou história.
Justamente por não ter tido pressa ao longo de seus 2.000 anos de existência, a igreja não se guia por conselhos via mídia. Tem organismos técnicos e, de tempos em tempos, concílios para correções de rumo. Dispensa palpites individuais.
Folha de São Paulo (São Paulo) 22/02/2005