Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > O novo DIP

O novo DIP

 

Circula no Congresso para discussão e aprovação um projeto do governo que cria o CFJ, Conselho Federal do Jornalismo, e está em debate para ser também encaminhada ao Legislativo uma proposta do MinC de criação da Ancinav - Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual. Como indicam os nomes, o primeiro busca regular a atividade jornalística; a segunda, o cinema e as atividades audiovisuais. Muitos dos dispositivos das duas medidas, sobretudo do projeto, soam familiares a quem está, por dever profissional, atento à história nacional.


Em 27 de dezembro de 1939, durante a ditadura do Estado-Novo, foi criado por decreto-lei (medida provisória da época) o DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda. Era ligado diretamente à Presidência da República e culminava várias tentativas anteriores de organizar a propaganda governamental. O antecessor imediato do DIP fora o Departamento Nacional de Propaganda, de 1938, vinculado ao Ministério da Justiça. No dia 30 de dezembro de 1939, o decreto-lei foi regulamentado, ganhando como diretor Lourival Fontes, admirador de Mussolini e defensor do fascismo. Em 1940, criaram-se nos estados os Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda (DEIPs), vinculados ao DIP. O DEIP de São Paulo foi dirigido por intelectuais de prestígio como Cândido Mota Filho, Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia.


O DIP tinha atribuições muito amplas e as foi acrescendo ao longo de sua vigência. Compunha-se de cinco divisões, salientando-se três delas, a de imprensa, a de cinema e teatro, e a de rádio-difusão. Quer dizer, abrangia as áreas cobertas pelo CFJ e pela Ancinav. Divergia das iniciativas anteriores por ser mais centralizador e coercitivo. Sua finalidade era ''centralizar, coordenar, orientar e superintender'' (o CFJ quer ''orientar, disciplinar e fiscalizar'') a propaganda nacional nas atividades ligadas à imprensa, rádio, cinema e literatura. Na lei e na prática isto significava censurar todas essas atividades. A censura podia transformar-se em intervenção. Em 1940, o DIP interveio nos jornais O Estado de São Paulo, A Noite e A Manhã, os dois últimos do Rio de Janeiro. No que se referia aos filmes, todos tinham que ter certificado de aprovação. Seriam vetados os que contivessem material ofensivo ao decoro público, contrário ao governo, e aos interesses nacionais. O DIP controlava ainda a distribuição das verbas de publicidade para os jornais e financiava jornalistas, beneficiando naturalmente os que fossem mais simpáticos ao governo.


Era também mais corporativo. A Divisão de Imprensa era assistida por um Conselho Nacional de Imprensa, composto de seis membros, três nomeados pelo presidente da República, três eleitos pela Associação Brasileira de Imprensa e pelas federações de sindicatos de jornalistas e proprietários de jornais, dentro do modelo de corporativismo estatal do regime. O Conselho tinha muitas atribuições, salientando-se a de punir publicação de ''notícias ou comentários falsos, tendenciosos ou de intuito provocador, induzindo ao desrespeito e descrédito do país, suas instituições, esferas e autoridades representativas do poder público''. Era ainda mais nacionalista e protecionista. Devia incentivar a produção de filmes nacionais, reduzindo impostos e concedendo prêmios, e promover uma arte e uma literatura genuinamente brasileiras. A exibição de filmes estrangeiros de longa metragem devia ser precedida de um curta-metragem nacional. Além disso, todas as salas de cinema eram obrigadas a exibir pelo menos um longa-metragem nacional por ano. O não cumprimento dessa exigência implicava multa de 200 mil réis por cada violação da lei.


Por fim, era mais dirigista. Foi criada uma ''taxa cinematográfica para a educação popular'', a ser cobrada por metragem de filme, à razão de 400 réis por metro linear e por cópia. Os filmes nacionais pagariam apenas por metragem. Da taxa seriam reservados anualmente 200 contos para distribuição de prêmios entre os produtores nacionais. Deveriam ser premiados anualmente três filmes de longa metragem e dez curtas. Manejando simultaneamente coerção e cooptação, não ficando imunes a esta última intelectuais de prestígio, o DIP controlou a vida cultural do país, servindo eficazmente aos interesses do governo e do regime. A partir do início de 1945, a legitimidade do DIP foi minguando junto com a do regime. A entrevista de José Américo de Almeida ao Correio da Manhã, de janeiro desse ano, pedindo eleições e a redemocratização do país, já não foi censurada. O próprio governo extinguiu o DIP em maio de 1945. Suas atividades eram incompatíveis com a democracia que se inaugurava no país.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 29/12/2004

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 29/12/2004