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Sob o domínio da imaginação

 

Napoleão dizia que a imaginação governa o mundo. Tal afirmação foi recolhida por Paulo Rónai do Memorial de Santa Helena, de Emmanuel Les Cases, e não há por que duvidar dela. Mas não deixa de ser espantoso o fato de o guerreiro e estadista sob cuja espada grande parte da Europa foi governada no século 19, admitir, no exílio, a primazia da fantasia e da fábula sobre a realidade.


Deste ponto de vista os imaginativos do mundo aparecem como os donos da história, enquanto o papel de tolo fica para os que pautam suas vidas por uma visão estritamente racional, interessados tão-somente no real thing, isto é, poder, mando, dinheiro, pompa e glória. A estes reservou-se vida insana e burocrática, distante da utopia e do sonho, vida dedicada ao material, ao sólido, que, como não cansava de dizer o barbudo de Trier, por isso mesmo se desmancha no ar.


Em 1805, quando Napoleão já era imperador, nasceu em Odense, na Dinamarca, um garoto que até a adolescência e início da juventude era considerado o patinho feio da cidade. É claro que hoje só podemos comparar Hans Christian Andersen a seu atormentado personagem porque ele escreveu, inspirado em sua própria vida, a história daquela avezinha escura e estranha no medíocre ninho da pataria - eu quase ia escrevendo no ninho dos trezentos do baixo clero.


Sem ser especialista em literatura infantil, ensaísta literário ou cronista político, ouso dizer que na história do patinho feio que, ao crescer, viu-se belo cisne, Andersen criou um sintético e minúsculo bildungsroman ao alcance da compreensão de todas as crianças do mundo, sem uma pitada de moralismo. O patinho feio era um cisne que, nos primeiros anos, desconhecia esse fato. Também não se trata de história de auto-ajuda, do tipo descubra o cisne que existe dentro de você. Trata-se apenas de um conto, pleno de imaginação e fantasia, que adultos e crianças lêem apenas pelo prazer da leitura.


Fundamental na formação do ser humano, nos dias de hoje tal prazer está contaminado pelas atrocidades, pelas burrices e pela corrupção que saltam das páginas dos jornais quando se lê sobre o Brasil e o mundo. Somos tomados de sensação de intenso desprazer ao ler o que os jornais nos oferecem e sempre lemos, mesmo com ânsia de vômito, sob a pena de sucumbir à alienação que nos condenará à condição de vegetais. Mas é indispensável manter a chama da imaginação acesa, na certeza de que Napoleão tinha razão ao declarar que, ao fim e ao cabo, não importa o tempo que levar, a imaginação dominará o mundo.


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No próximo dia 2 de abril comemora-se em todo o mundo o bi-centenário do nascimento do autor da história do patinho feio, contador e inventor de narrativas cuja vida e personagens, ao lado das criações de Monteiro Lobato, a Imperatriz Leopoldinense levou para a Marquês de Sapucaí em impecável desfile criado pela carnavalesca Rosa Magalhães.


Filha dos saudosos R. Magalhães Jr., jornalista, escritor, dramaturgo, historiador e acadêmico, e de Lúcia Benedetti, escritora e pioneira na dramaturgia infantil, Rosa combinou a herança do talento e da imaginação dos pais à capacidade de construir um mundo de fantasia e cores na batida do samba. Já veterana na Sapucaí, ela transformou o desfile da Imperatriz este ano em espetáculo mágico, que empolgou o público e conquistou um honroso quarto lugar. Andersen certamente adoraria ver o criativo trabalho de Rosa Magalhães.


A recordação do escritor dinamarquês, considerado o primeiro autor de histórias para crianças - aquele que escreveu baseado apenas na sua imaginação, sem recontar as lendas populares e o folclore, como o fizeram os irmãos Grimm e Perrault -, continuará no ciclo de conferências que a Academia Brasileira de Letras, com a colaboração da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), realizará em abril.


Coordenado pelo filólogo Evanildo Bechara, o ciclo contará com a participação de Ana Maria Machado, Per Johns, Isabel Maria Carvalho Vieira, Cecília Costa Junqueira e Arnaldo Niskier, que, em cinco terças-feiras, estudarão a vida e a obra de Andersen e a influência do escritor na literatura infantil brasileira, especialmente a transmitida pelas adaptações de Lobato.


Ao mesmo tempo, a Academia Brasileira e a FNLIJ realizarão uma exposição de livros de Andersen, de traduções de sua obra e de ilustrações feitas por brasileiros, com homenagens a Lygia Bojunga Nunes e Ana Maria Machado, as duas únicas latino-americanas agraciadas com o Prêmio Hans Christian Andersen, criado pelo International Board of Books for Young People, IBBY, considerado o Nobel da literatura para crianças.


Assim, viva a imaginação! Cultivá-la é a única saída para nos salvar deste sinistro e trágico Festival de Besteiras e (atrocidades) do saudoso Stanislaw Ponte Preta, produzido pelos bem-pensantes, tipos sem imaginação, a exemplo de Bush. E esse festival sinistro hoje assola, não só o Brasil, mas também o mundo.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 23/02/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 23/02/2005