O país, como sabemos por informações do governo, vai muito bem. Os bancos auferiram lucros sem precedentes, atingimos novo record de arrecadação de impostos e este ano talvez não seja necessário criar mais uns três ou quatro, bem como um par de taxas e contribuições provisórias (permanentes - coisas da nossa língua, em que “pois não” quer dizer “sim” e “pois sim” quer dizer “não” e, desta forma, o adjetivo “provisória”, qualificando palavras como “medida” e “contribuição”, quer dizer “permanente” e não sei por que estranhar, já que as iniciais são as mesmas e não alteram as siglas). Falam na taxa de respiração, a ser paga por quem utiliza o ar hoje espantosamente gratuito, mas parece que ela ainda será debatida por uma comissão do PT (Partido dos Trabalhadores, pois carecem de fundamento os rumores de que se tornou o Partido dos Tapeadores), o que significa que não deve sair antes de o presidente reeleger-se e dedicar o segundo mandato a armar um terceiro, para ter tempo de fazer alguma coisa, nos breves intervalos entre viagens, discursos e inaugurações de farmácias.
Até uma antiga aspiração de alguns moradores da cidade do Rio de Janeiro, veiculada por cartas de leitores aos jornais, começa a concretizar-se, porque li que a prefeitura não mais recolherá moradores de rua não-cariocas. Os de outras cidades serão deportados, abrindo caminho para a ambicionada instituição de passaporte para a travessia do Túnel Rebouças na direção da Zona Sul e para a circulação de outros compatriotas na cidade, que não será mais, como sempre foi, de todos os brasileiros, mas uma ilha estrangeira de paz, prosperidade, beleza e alegria, como atestará quem quer que entre em seu carro blindado, envergando roupa de combate, para enfrentar a Linha Iraque, alcunha carinhosa aplicada pelo irreprimível gênio folgazão do carioca à Linha Vermelha, em que pesem os protestos do governo iraquiano, que ameaça recorrer a Bush II para evitar essa mancha na imagem de seu país.
Nada, porém, é perfeito e, como sugeriu o presidente num de seus festejados improvisos, a maioria já com inclusão assegurada no fechadíssimo Bestialogicum universalis (perdão, latinistas; cartas indignadas para o editor, pelo amor de Deus), precisamos cultivar nossos heróis e, por extensão da idéia, criar outros. No início, duvidei desta última possibilidade, mas não é que soube que o primeiro acaba de aparecer? E numa área em que há pequenas falhas em nossa administração pública, segundo as raras queixas que pipocam aqui e ali. Pois é, distinto leitor, encantadora leitora, posso garantir que já está na ativa o invencível, o destemido, o irresistível Super-Idoso! E não se trata de um herói qualquer, dos que se limitam a viver de salário mínimo, pagar juros bancários ou procurar os serviços de saúde pública, isso é fichinha. É super-herói mesmo, com poderes especiais e tudo.
Não posso divulgar detalhes em excesso e temo até falar demais, mas o dever do jornalista é contar o que apurou, pelo menos enquanto não for baixada a Medida Provisória de Supressão Participativa de Opiniões e Informações Desagradáveis, o que pode acontecer a qualquer hora e justifica a pressa em contar o que sei. Sei muita coisa. Os transeuntes certamente não notarão a figura encarquilhada e franzina do aposentado Matusalém Bontempo, arrastando os pés lentamente pela calçada, ou utilizando a cadeira de rodas motorizada ganha no programa do Ratinho. É isso mesmo que ele quer, permanecer despercebido para cumprir sua missão vingadora. Pois, pasmem, caros amigos, Matusalém Bontempo não passa da identidade secreta do Super-Idoso, o paladino dos anciões brasileiros (inclusive os cariocas, apesar da proteção que a prefeitura local lhes dedica 24 horas por dia), que em breve mudará radicalmente o panorama nacional nesse setor.
Àquele velhinho de aparência frágil, na decrepitude de seus carunchentos 65 verões, não escapa nada, até porque, se algum fato de sua alçada ocorrer sem seu conhecimento, o potentíssimo Esclerofote, movido a extrato de Viagra concentrado e acionado pela ONG Coroas Unidos, projetará nos céus o alerta que levará o Super-Idoso à ação. Discretamente, ele tossirá durante uns dois minutos, tomará fôlego e pronunciará a palavra mágica que o transformará no temido flagelo dos insensatos que doravante ousarem desafiar os terceiro-idadistas:
- Berzoini!
Numa fração de segundo, um pum retumbante eclodirá nas alturas e aquele velhinho mirrado surgirá miraculosamente num brioso uniforme de ceroulas vermelhas, camiseta de ginástica sueca e congas super-rápidas, já com a bengala voadora em punho e singrando velozmente os ares, para intervir na situação denunciada. Não posso ajudar os agentes do Mal descrevendo todo o armamento do Super-Idoso, mas, com o fito de amedrontá-los, adianto por exemplo a terrificante Bomerangadura, implacável dentadura postiça que ele saca da boca num movimento fulminante e lança na direção do ofensor, em cuja bochecha (qualquer delas, embaixo ou em cima, conforme as circunstâncias) crava seus temíveis incisivos de galalite, gravando indelevelmente as palavras “perdão, vovô” na pele do meliante. Isso para não falar na Incontinência Tsunami ou no Controle Remoto de Aparelhos de Surdez, o qual inativará a audição de todos os componentes da fila do INSS e soterrará sob uma gritaria infernal os maus atendentes. E mais poderia contar e talvez venha a contar, pois com certeza serão muitas as aventuras do Super-Idoso. Por hoje basta a confirmação de que o melhor do Brasil é mesmo o brasileiro e as sensacionais parcerias público-privadas resolverão de vez os escassos probleminhas que nos restam.
O Globo (Rio de Janeiro) 27/02/2005