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A carniça e o povo

 

Ninguém, ninguém mesmo, sabe como se passaram, entre outras coisas do governo anterior, as privatizações das teles, buraco negro, e bota negro nisso, de nossa recente história. Em determinado ponto, houve tal e tamanha confusão, que todos ficaram sabendo que havia corrupção, e corrupção difusa, contagiosa. Os intermediários e os altos funcionários que telefonavam para o presidente da República, dando conta das negociações, nem eles sabiam direito para quem e por quanto trabalhavam.


As demissões de Mendonça de Barros e André Lara Resende, a transcrição de fitas em que um dos interlocutores era o próprio presidente da República, a tentativa de criar uma CPI que apurasse o que estava havendo, tudo ficou atravessado na garganta da nação e atravessado na garganta do presidente Lula, que semana passada tocou, de leve, e levianamente, no assunto, em discurso que ele próprio considerou atravessado.


A crise que demitiu dois altos funcionários do governo FHC ameaçava ir mais longe. Uma CPI, com seus desdobramentos imprevisíveis, poderia terminar até num impeachment presidencial. Ao contrário de Collor, que não deu bola para as investigações, considerando-se mais forte do que o Congresso, do que a mídia e os fatos, FHC botou todo o seu time em campo, inclusive o advogado-geral da União, Gilmar Mendes, que teve o desplante de pedir à CNBB que fizesse lobby contra a criação da CPI. Ganhou como pagamento uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.


Que houve bandalheira, e bandalheira grossa, houve. Que Lula, em seus primeiros dias de governo, devia ter tomado providências, denunciando a corrupção, devia. Não o fazendo, segundo disse, em nome da governabilidade, pactuou com a corrupção. E como os escândalos não foram um, fica a impressão de que Lula só terá governabilidade em cima da carniça que lhe deixaram. Quem dará condições de governo a Lula não será o povo, mas a carniça.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 28/02/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 28/02/2005