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As elites e o poder

 

Hoje é a primeira terça-feira do terceiro ano de Lula no poder. O que foi feito, o que não foi feito, o que poderá ainda ser feito, o que com toda a certeza não se fará mais - tudo aparece nos muitos estudos sobre o assunto publicados recentemente em livros, jornais e revistas. Entre as análises de maior profundidade, atente-se para o livro de Cândido Mendes, "Lula entre a impaciência e a esperança".


Trata-se de um exaustivo exame de nossas perspectivas, mas não somente delas porque o autor examina minuciosamente cada movimento císmico-político do País nos últimos dois anos. Analisa, por exemplo, a presença do presidente diante do inconsciente popular, pois, na verdade, todo governante entre, positiva ou negativamente, no imaginário do povo.


Que Lula tenha mantido uma boa posição nesse imaginário, e por que o tenha conseguido, são aspectos que o autor de "Lula entre a impaciência e a esperança" esmiúça para chegar à conclusão de que "o regime sabe por onde não ir".


Temos de estudar também o fenômeno da elite. Costumam as elites identificar-se com a classe no poder. Ou podemos também dizer que as elites de um tempo têm estado sempre no poder. O livro de T.B.Bottomore, "As elites e a sociedade" (cuja edição brasileira saiu pela Zahar há quase trinta anos) estuda, inclusive, as concepções de Pareto e Mosca sobre o tema. Como resumi-las? Talvez dizendo que, em toda sociedade, existe uma pequena minoria que a controla.


"Essa minoria - acrescenta Bottomore - chamada "classe política" ou "elite governante", composta dos que ocupam cargos de comando político e, mais vagamente, dos que podem influir diretamente nas decisões políticas - sofre, dentro de certo período de tempo, mudanças na sua composição, geralmente através do recrutamento individual de novos membros, saídos dos extratos inferiores da sociedade, por vezes pela incorporação de novos grupos sociais e ocasionalmente pela substituição total, da elite estabelecida, por uma contra-elite, como ocorre nas revoluções."


Assim, quando se ataca uma elite, o movimento contrário à elite realmente ou aparentemente no poder parte de outra elite, desejosa de tomar o lugar de que manda. Usa, para isto, as idéias dominantes no círculo que busca o poder.


Dizia Marx, na sua lógica chamada por Eugen Weber de "tautológica": "as idéias dominantes de uma época são as idéias da classe dominante". A cada geração - ou ao longo de duas ou três - membros de uma nova elite ascendem à camada superior.


Depois dos políticos populistas pré-1964 tivemos a classe militar, parte da Igreja católica e dos empresários e, em seguida, a dos sindicatos em cuja onda de luta em favor dos excluídos surgiria um líder sindical, Luiz Inácio Lula da Silva, que atingiria a Presidência da República e daria início a uma nova elite que vem tentando empolgar o país para a escolha de um novo rumo.


O perigo, expresso por Kolabinska, está em que "a principal idéia transmitida pelo termo elite é a da superioridade..."A verdade, porém, é que, nos seus melhores exemplos, a elite se afasta da ditadura, sendo esta, como é, forma primitiva e primária de poder. Elite é a do século de Péricles na Grécia, a da Inglaterra a partir da Magna Carta, a da França influenciada pelos enciclopedistas e o iluminismo, a da Revolução americana de 1776.


O grande mal, num país como o Brasil, é a grande diferença aqui existente entre a elite e o povo, aquela na posse efetiva dos meios de afluência e felicidade, e este sem comida nem saúde, sem letras nem casa, sem roupa e sem menor acesso a um mínimo de educação.


Que a elite trazida por Lula vem lutando para levar o País a uma situação melhor do que a dos últimos decênios, é o que se deduz, com argumentos ponderáveis de Cândido Mendes, deste livro que também analisa a urgência de uma transformação social no Brasil.


E se, conforma a definição de Bottomore, "Democracia é pluralidade de elites", pode-se entender, com toda a liberdade, um esforço permanente para que um governo democrático seja dirigido pelos melhores elementos possíveis de uma comunidade - os de uma elite, portanto.


"Lula entre a impaciência e a esperança" é o oitavo livro que o autor publicou recentemente sobre a realidade política brasileira, sendo que dois deles, também sobre Lula no poder, em francês: "Lula et l'autre Brésil" e "Lula, une gauche qui s'éveille". O volume de agora é lançamento da editora Garamond. Coordenação editorial de Hamilton Magalhães Neto. Pesquisa iconográfica de Magno José. Capa e projeto gráfico de Paulo Verardo.


Foto de capa de Ricardo Stuckert. Revisão de Jaqueline Rodrigues de Oliveira, Luiz Carlos Palhares e Vítor Alcântara. Editoração eletrônica de Textos & Formas. Fotos da quarta de capa de Ana Nascimento, José Cruz, Marcelo Casal Jr. e Rose Brasil.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 04/01/2005

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), 04/01/2005