Semana passada, cheguei ao Galeão, vindo de Roma. Antes, havia enfrentado o Leonardo da Vinci, o aeroporto romano. Fizera escala em Frankfurt e São Paulo. A impressão que tive, ao olhar pela janelinha do MD-11, foi a de chegar a uma cidade fantasma. Nada parecia existir além da imensa estrutura de concreto armado. Nem mesmo uma vila, um aglomerado de casas e vidas.
O contraste com os aeroportos anteriores era sinistro, e para mim, carioca militante, doloroso. Era como se tivesse vindo de um outro mundo, pessoas apressadas, cheias de sacolas coloridas, que a semana intermediava o Natal e o Ano Novo.
Difícil acreditar que naquele sarcófago houvesse alguém esperando por alguém. O avião pousara, por engano de rota, num deserto.
Como qualquer um, já sabia que o Rio se esvaziava. No centro da cidade, edifícios modernos estão com andares desocupados, empresas que se mandaram para outras cidades ou deixaram de existir por falta de mercado.
A opinião generalizada atribui à violência o atual abandono do Rio. É possível. Mas existem cidades tão ou mais violentas. Em Miami, há hotéis que só deixam os hóspedes saírem à noite em companhia de seguranças. Após a hora do rush, andar de metrô em Paris ou Nova York é uma temeridade. Em Madri, um irmão foi assaltado na Gran Via, ficou sem dólares e quase sem o braço -sendo médico, passou um ano sem exercer seu ofício nas salas de cirurgia.
Pode ser que a violência no Rio seja maior em quantidade e profundidade. Mas a causa da quarentena decretada contra a cidade parece ser a berrante publicidade contrária, aqui e no exterior. Na véspera do Natal, em Roma, um grupo de rapazes esquartejou um mendigo em Óstia, quase no mesmo local onde Pier Paolo Pasolini foi assassinado. Nenhuma linha na imprensa mundial. Se fosse aqui no Rio, haveria editorial até no "Osservatore Romano".
Folha de São Paulo (São Paulo) 05/01/2005