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É a guerra!

 

Reconheço o mau gosto. Mas, quando escrevo para jornais e, às vezes, para mim mesmo, uso palavras ou frases em outra língua, sobretudo a latina, na qual me eduquei e, na maioria das vezes, é a que melhor expressa o que estou pensando ou sentindo.


Há autores que usam o inglês ou o francês, tudo bem. Há determinadas coisas que só podem ser expressas em um idioma, e não em outro. Como traduzir "sine die" ou "c'est la guerre"? A simples transposição nominal não basta.


Uma leitora reclamou de artigo em que citei Aristóteles em latim, lembrando que todo o agente "agit propter finem", age por causa de um fim. Argumentando que Aristóteles não falava nem escrevia em latim, ela exigia que eu fizesse a citação em grego.


Acontece que o alfabeto grego é diferente do latino, que predomina na maioria dos países ocidentais. Uma citação em grego requer reprodução especial, utiliza alfabeto próprio, o mesmo se dando com o hebraico, o russo e outros idiomas orientais. Nem todos os equipamentos gráficos dispõem de fontes contendo o alfa, o beta, o gama, delta etc.


O mesmo se dá com os textos bíblicos, escritos originalmente em diversas línguas, mas que chegaram até nós pela versão de são Jerônimo, que é latina. Cristo falava em aramaico (ou, segundo alguns, em dialeto próximo ao aramaico) Do alto da cruz, ele disse suas últimas palavras: "Consumatum est". Evidente que não falou em latim.


Citando Cristo, outro dia terminei um artigo na Ilustrada lembrando o "misereor super turbam". Leitores reclamaram, queriam a tradução, citar em latim já passou de moda, somente advogados de província ainda o fazem.


Sei que contrario os manuais da redação de todo o mundo, eles exigem clareza e objetividade, os leitores merecem entender o que estão lendo. Com o devido respeito aos manuais e aos leitores, continuo apelando para citações que considero intraduzíveis. "C'est la guerre!".




Folha de São Paulo (São Paulo) 10/1/2006