Filme de Billy Wilder absorveu um fato real ocorrido há tempos, na época em que a Guerra Fria vivia momentos de tensão. Um alto funcionário do Departamento de Estado vai se hospedar num hotel italiano famoso. Honrado pela deferência, o gerente informa que Benjamim Franklin também ali se hospedara, seus aposentos foram transformados em museu. Convidou o importante hóspede a visitá-lo. O maioral do Departamento de Estado recusou o convite. E explicou: "Para os nossos padrões, Franklin não passou de um comuna desprezível".
A aberração é típica daqueles que julgam o passado pelos critérios do presente, esquecendo-se de dois fatores básicos: o presente, como aquela dona cantada por Verdi, "è móbile". Muda constantemente, não de geração em geração, mas às vezes dentro de cada geração.
O segundo fator é que cada "presente" só pode ser julgado pela conjuntura do próprio tempo, e não de um tempo futuro. Aristóteles acreditava que os elementos da natureza eram apenas quatro. Hoje, qualquer estudante do segundo grau sabe que são muitos os elementos que compõem o universo. A água, por exemplo, que ele considerou um dos quatro elementos simples, é composta de hidrogênio e oxigênio. Aristóteles era uma besta.
Galileu foi obrigado a se retratar por estar à frente de seu tempo na questão do movimento da Terra. Mas acreditava nas virtudes terapêuticas da mandrágora. Anchieta, pelos critérios da moda atual, seria um genocida. Ptolomeu e Newton seriam débeis mentais diante da relatividade de Einstein, que, aos poucos, está passando para a categoria dos débeis mentais.
Ciência e arte são etapas em processo, não criam critérios absolutos. O mais ridículo é que cada geração acredita que atingiu o estágio mais avançado e, em alguns casos, definitivo do conhecimento e da civilização. Em nome dessa certeza, equívocos e crimes são cometidos.
Folha de São Paulo (São Paulo) 16/01/2005