Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Até breve, em grande forma

Até breve, em grande forma

 

Sim, chega desse negócio de falar mal do governo. Por exemplo, eu ia voltar a relembrar que governo não é somente o Executivo, mas o Legislativo e o Judiciário - e estamos bastante mal servidos em todos eles. A Câmara de Deputados mesmo, abusando do fato de que ruim com ela mas pior sem ela, já entrou na fase do descaramento. Leva-se dinheiro público a rodo, trabalha quem quer, ganham-se benefícios que chegam a ser esdrúxulos de tão indecentes e otário será aquele que achar que o povo é mesmo representado pelos congressistas.


Coisa nenhuma, eles fazem e desfazem sem que nunca sejamos nem ouvidos nem cheirados e, na verdade, em vez de nossos empregados, a quem pagamos regiamente bem, são nossos patrões e nem se preocupam mais em nos dar satisfações, a não ser num caso isolado a outro. Se estão fazendo com que grande parte do povo já ache que eles não servem para nada, isto para eles não importa. Só importa se pintar uma calamidade institucional qualquer, ou seja, se eles forem atingidos em seus interesses, que freqüentemente não têm nada a ver com os interesses dos seus “representados” e são mesmo contra estes.


Tampouco vale a pena falar de um Judiciário em que o povo só confia da boca para fora e alguns de cujos membros se comportam, a meu ver, indecorosamente (se houver ameaça de me processar, me banir para o Gabão, mandar fechar o jornal ou semelhante, retiro alegremente o que disse e digo, então, “viva o Judiciário!”, “viva Nicolau!”, viva o que eles mandarem, com exceção de vestir paletó no verão). Nem vou falar mal de um Executivo que tem à frente um homem estranhamente chamado de “nosso guia” (em alemão, “unser Führer”, não tenho nada com isso). Nosso guia, como se sabe, notabilizou-se por seus improvisos pitorescos e por ser o primeiro presidente a fazer qualquer coisa de boa que aconteça e cujo governo é o melhor que “este país” já viu.


Podia falar especialmente, mas não falarei, da dinheirama que vão espalhar, na preparação para o nosso guia concorrer à reeleição. Ele diz que ainda não sabe se quer concorrer, embora saiba que a gente sabe que não é verdade, como a gente sabe que não são verdade outras coisas que ele diz, mas não admite em público porque firulas jurídicas entram em jogo. Eu, particularmente, o tenho achado evasivo, dúbio, cínico e feiamente ambicioso, além de deslumbrado e preguiçoso porque só faz o que não lhe dá preguiça. Mas esta é uma opinião estritamente pessoal e subjetiva e, de novo, retiro tudo alegremente, se ameaçado de ter que comparecer a qualquer órgão público. Tampouco falarei no fato de o povo continuar pagando impostos extorsivos (mendigo paga imposto, tem-se que lembrar isso, nem mendigo escapa, claro, só quem escapa é banco) e sem saúde, educação e segurança, obrigações mínimas do Estado. Aqui não. Aqui o Estado é novamente uma experiência única brasileira. Aqui o Estado existe para sustentar o Estado. As sobras (ou, pensando bem, quem sabe a maior parte) são surrupiadas de todas as formas.


E nem vou tocar na circunstância de que não há, nem para este mandato nem para o segundo, plano ou programa de governo. Faz-se o que o dr. Palloci manda e o resto acontece. Quando acontece, o governo reage, é um governo reativo. Agora mesmo, na hora de gastar dinheiro e inaugurar coisas, ainda que falsamente, como já aconteceu, vai tapar buracos nas vergonhosas estradas brasileiras. Mas é um serviço atamancado que, segundo o próprio ministro dos Transportes, só vai durar um ano. Bem, é jogar dinheiro fora como água suja, mas é o que basta para ajudar na reeleição. Que aconteça a mixórdia toda - não sei se é a idade, mas tem horas em que não estou ligando muito.


Sim, nada de lembrar governo, vamos ao que interessa. Como se lembrará quem me lê, ameacei voltar ao calçadão. Mas resisti. A lembrança de tão vexatórios episódios vividos no calçadão ainda me prendia. Resolvi o problema. Consultei o médico e taquei uma bicicleta ergométrica aqui mesmo no escritório. Malho agora na santa privacidade do lar. Cogitei antes comprar uma esteira rolante, mas me lembrei do que disse o presidente sobre esteiras rolantes e fiquei com medo de nunca mais acertar a ler, do mesmo jeito que ele não acerta a ler os discursos escritos para ele.


Não, não vou falar em governo, vou falar em outro assunto de interesse público, qual seja a forma física e a famosa qualidade de vida. Não se deixe abater quando lhe disserem que bicicleta ergométrica é chata. Esteira, sim, é que é mais ou menos como ler literatura pesada, tipo Harry Potter, ou um livro de colorir com excesso de detalhes. Mas bicicleta não tem nada de monótono, é só usar a imaginação. Eu penso que sou participante da volta da França. Alterno isso com missões igualmente façanhudas, tais como entregar pizzas aqui mesmo no Leblon. Entrego remédios também e vou contar a vocês, uma hora destas, algumas das histórias incríveis que acontecem a nós, entregadores de pizza ou remédios. Outro dia, quando fui entregar uma brotinho num apartamento aqui perto, quem me abre a porta senão uma mulher de roupão, a cara da Luíza Brunet e aí... Cala-te, boca; cessa, cálamo.


Dentro de quatro domingos já deverei estar um campeão e ameaço contar tudo a vocês. Digo quatro domingos porque estou entrando em recesso até o dia 19 de fevereiro. Espero que vocês consigam superar o trauma da minha ausência, ainda que temporária. Depois eu volto para falar sobre minhas aventuras ciclistas e fazer comentários negativos sobre os governantes somente quando eles merecerem. Chato é que, para dar vencimento, esta coluna teria que ser diária.




O Globo (Rio de Janeiro) 15/1/2006